“Art. 123. Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que:
I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença;
II – desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu”.
Comentários: o artigo 123 do CPC/2015 repete, com pequena alteração de estilo, o conteúdo do artigo 55 do CPC/1973, mas incidindo em um equívoco de técnica, ao manter esse dispositivo no capítulo dedicado apenas à assistência simples, quando se trata de norma que se aplica também à assistência litisconsorcial, ao tratar do efeito da eficácia da assistência, que guarda acentuada relação com o instituto da coisa julgada, como veremos. Melhor seria, portanto, que o CPC/2015 tivesse feito como o CPC/1973, prevendo como regra geral, a aplicar-se tanto à assistência simples, quanto à assistência litisconsorcial, o que diz respeito à eficácia da assistência.
O leitor poderá supor que o CPC/2015 quis demarcar com maior nitidez a distinção entre um e outra das modalidades de assistência, e por considerar que, no caso da assistência litisconsorcial, o assistente é considerado como litisconsorte da parte principal, daí decorreria a não aplicação do artigo 123 à assistência litisconsorcial, dado que o assistente é, nesse caso, litisconsorte, e como tal se sujeitaria à coisa julgada, e não à eficácia da assistência, o que, contudo, ocorre.
Primeiro porque também no CPC/1973 o artigo 54 parecia equiparar o assistente litisconsorcial ao litisconsorte, tanto quanto o faz o artigo 124 do CPC/2015, e digo “parecia equiparar” porque, em sendo uma modalidade de intervenção de terceiros, a assistência não transmuda, nem pode transmudar a natureza jurídica da posição processual do terceiro, não o erigindo jamais à condição de parte. É terceiro, e será sempre terceiro, de maneira que se há compreender que o artigo 124, ao dizer que se deve considerar o assistente litisconsorcial como litisconsorte, quer apenas traduzir a ideia de que há um grau maior nessa modalidade de assistência, se comparado com o grau (mais tênue) que está presente no caso da assistência simples, mas isso não significa que o assistente, na assistência litisconsorcial, tenha se transformado em verdadeiro litisconsorte.
Segundo porque, em não sendo parte formal, mas terceiro, não suporta os efeitos da coisa julgada material, mas apenas da eficácia da assistência. E chegamos assim ao que forma o conteúdo principal do artigo 123 e que diz respeito à eficácia da assistência. Utilizaremos da segura observação do processualista mineiro, CELSO AGRÍCOLA BARBI, que, com mão de mestre, estabelece a natureza dessa eficácia e como se a deve distinguir da coisa julgada material:
“A eficácia de assistência é (..) de conteúdo mais amplo do que a coisa julgada material, porque, enquanto esta só atinge a parte dispositiva da sentença, aquela abrange os motivos e os fatos, isto é, a premissa menor da sentença. Mas, sob outro aspecto, é mais restrita, porque não contém uma proibição absoluta de contrariar aqueles motivos e fatos. Configura, na realidade, uma presunção relativa, juris tantum, que pode ser destruída se o assistente alegar e provar alguma da circunstâncias previstas nos itens I e II do artigo, que constituem verdadeira exceptio male gesti processus”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, I vol. tomo I, p. 307, Forense editora).
Do que se pode concluir que, seja na assistência simples, seja na assistência litisconsorcial, o assistente está sujeito à eficácia da assistência, de modo que, passando em julgado a sentença no processo em que decidiu intervir, não poderá o assistente, em processo posterior, discutir o que ali ficou definitivamente decidido, salvo se provar que, em razão do estado em que recebeu o processo, ou seja, quando foi admitido na condição de assistente, não lhe era mais permitido produzir provas que poderiam de algum modo influir na sentença, ou ainda se o assistido, por dolo ou culpa, não terá gerido bem a sua atuação principal no processo. Como observa CELSO AGRÍCOLA BARBI, se na coisa julgada material os motivos e a verdade dos fatos não sofrem seus efeitos (efeitos da coisa julgada material, segundo o que prevê o artigo 504 do CPC/2015), no caso da assistência, a eficácia preclusiva da sentença abrange tanto os motivos, quanto a verdade dos fatos, e somente nas hipóteses previstas nos incisos I e II do artigo 123 é que poderão autorizar que o assistente, na ação que ajuizar, poderá discuti-los.
Importante lembrar, na esteira do que destaca CHIOVENDA, que a coisa julgada é um dos institutos jurídicos que apresentam mais deformações e degenerações históricas e que há mais sofrido em decorrência da confusão e de equívocos , em especial com o instituto da preclusão de questões, embora em ambos esteja presente a ideia da eficácia de um provimento jurisdicional projetada ao futuro, destinada a obstar que se rediscuta ou se reexamine o que já ficou decidido. Diz CHIOVENDA em ensaio que, sob o título “Coisa Julgada e Preclusão”, tornou-se clássico, publicado em 1933, e que complementava o que CHIOVENDA escrevera em 1905:
“a preclusão depende não da autoridade inerente à palavra do juiz |(autoridade que, por grande que seja, não exclui o erro, a discussão e a correção), senão de razões de utilidade prática, enquanto é necessário por um limite à possibilidade de discutir; varia somente nos diversos casos a razão pela qual se sente esta necessidade. Por coisa julgada não quer decidir juízo, quer dizer bem reconhecido ou negado. Se em vez de coisa julgada, nós poderíamos dizer bem julgado, estabeleceríamos de um modo mais evidente a diferença entre coisa julgada e questões julgadas”.
Preciosa lição que é de inteira aplicação ao caso da eficácia da assistência, em que ocorre, pois, uma preclusão de questões já decididas em processo anterior e que projetam efeitos sobre a esfera jurídica do assistente simples ou litisconsorcial, surgindo, contudo, a possibilidade de rediscutir-se o julgado naquelas hipóteses nos incisos I e II do artigo 123 do CPC/2015, o que diferencia essa forma de preclusão da coisa julgada material.