O processo civil nasce como ciência na segunda metade do século XIX, quando se pôde definir seu objeto específico (o processo), e quando foi possível estruturar seu método, o que passou pela construção de uma linguagem específica aplicada ao processo civil, sobretudo quanto aos nomes que foram dados a seus institutos e ideias fundamentais. Muitos desses nomes tornaram-se praticamente definitivos. Assim é que se costuma chamar ainda hoje de “bem da vida” aquilo que forma a pretensão do autor.
Bem da vida, segundo CHIOVENDA, são os diversos direitos acerca dos quais se pode formar uma expectativa, desde que garantida pela vontade da lei. Mas por qual razão seu deu o nome de “bem da vida” à essa expectativa? E por qual razão os processualistas não chamaram de “mercadoria” o objeto do processo?
Certamente a razão disso está em querer afastar a ideia de que o processo civil pudesse ser encarado como um instrumento econômico colocado à disposição do autor para que o Poder Judiciário lhe desse ou lhe reconhecesse o direito subjetivo a um bem, ainda que esse bem pudesse e devesse ser chamado de “mercadoria”, que “é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”, como disse MARX em 1867, quando do lançamento da primeira edição de seu livro “O Capital”, ao mesmo tempo, portanto, em que o processo civil nascia como ciência.
Não, o processo civil não podia ser considerado um instrumento econômico, porque não é bom que se associe a figura do Estado-Juiz a uma ideia econômica, e mais ainda quando o termo “mercadoria” era empregado de modo tão enfático em uma obra tão perigosa como “O Capital”, que, aliás, revelava os meandros pelos quais o Capitalismo operava, muitos dos quais formados pelo processo civil.
Daí porque os processualistas, ainda hoje, eufemisticamente chamam de “bem da vida” o que os economistas desde sempre chamam de “mercadoria”, ainda quando se trate de um direito de conteúdo extrapatrimonial, como, por exemplo, o direito moral à honra.