“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.

Comentários: diversamente do que sucedia no CPC/1973, que, em seu artigo 47, tratava a um só tempo e sem razão tanto do litisconsórcio necessário quanto do litisconsórcio unitário (“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”), o CPC/2015 regula de modo separado essas duas modalidades de litisconsórcio, que não se confundem, porquanto pode existir litisconsórcio necessário que não seja uniforme (unitário), ou seja, quando por disposição de lei ou em razão da natureza da relação jurídico-material exija-se a presença na relação jurídico-processual de todos os litisconsortes, conquanto não exista a obrigatoriedade de o juiz decidir a demanda de modo unitário para todos os litisconsortes.

No regime do litisconsórcio unitário, a decisão deve ser rigorosamente a mesma para todos os litisconsortes, o que significa dizer que, no litisconsórcio unitário, não há autonomia de posição processual entre os litisconsortes, cujo destino está umbilicalmente ligado, de maneira que o que se decidir em relação a um, decidir-se-á em relação a todos.

Correto dizer, no plano lógico, que onde há litisconsórcio unitário, há litisconsórcio necessário, mas o contrário não é verdadeiro, ou seja, pode haver litisconsórcio necessário não unitário, quando a presença na relação de todos os litisconsortes é necessária, mas o destino de cada um na demanda pode não ser o mesmo. De modo que se deve fazer a necessária distinção entre um e outro, chamando de litisconsórcio necessário aquele em que a presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual for indispensável, sob pena de se declarar nulo o processo, e chamando de litisconsórcio necessário unitário aquele em que, além da presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual, a sentença terá que ser a mesma para todos os litisconsortes.

Mas se no plano lógico-jurídico é correto afirmar-se que, em havendo litisconsórcio unitário, deve haver existir litisconsórcio necessário, no plano do direito positivo pode ocorrer de o legislador criar situações em que o litisconsórcio, conquanto deva ser unitário (ou seja, a decisão terá que ser a mesma a todos os litisconsortes), possa ser facultativo, como se dá, por exemplo, no caso em que um acionista ajuíze ação com o objetivo de anular deliberação da assembleia geral, não exigindo a lei brasileira que todos os acionistas integrem a relação jurídico-processual, muito embora a decisão será a mesma para todos os litisconsortes e mesmo aos terceiros (como devem ser chamados os acionistas que não estejam na relação jurídico-processual). No plano lógico-jurídico, não há dúvida de que todos os acionistas deveriam compor a lide, porque a relação jurídico-material isso o obrigaria, mas por critério de conveniência, ou mais propriamente por um critério que decorre do poder discricionário do legislador, no direito positivo brasileiro não se imponha a formação do litisconsórcio necessário para esse tipo de ação, muito embora se deva reconhecer que, na prática, o litisconsórcio necessário terá se instalado, porque a realidade pode mais que o legislador, se considerarmos que o que o juiz decidir em relação ao acionista que ajuizou a ação, valerá para todos os demais acionistas, os quais, embora formalmente terceiros (porque da ação não fizeram parte), acabam por ser transformados em verdadeiros litisconsortes, na medida em que a coisa julgada material lhes inevitavelmente os atingirá. Trata-se, em verdade, de um curioso caso em que alguém que não tenha litigado é tratado pela lei processual civil como se tivesse sido parte, ou seja, como litisconsorte ao lado daquele que ajuizou a ação.

DINAMARCO, em indispensável monografia a quem quer conhecer, com profundidade, instituto do litisconsórcio, produzida ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, mas que é ainda de grande valia no estudo do instituto mesmo sob a roupagem que lhe foi dada pelo CPC/2015, observa que o artigo 46 do CPC/1973 tivera origem direta no código de processo civil alemão, em que se previa que o litisconsórcio necessário caracterizava-se quando “a relação jurídica controvertida tiver que ser decidida de modo uniforme para todos os litisconsortes”, ou ainda quando litisconsórcio seja necessário por outra causa. Note-se que, na primeira parte dessa regra, estava previsto o litisconsórcio necessário e unitário, enquanto na parte final estava previsto o litisconsórcio necessário não unitário. A uma incorreta compreensão dessa norma legal é que se atribui o fato de o artigo 46 do CPC/1973 ter aglutinado, em um só enunciado, as duas modalidades de litisconsórcio, sem o cuidado de as diferenciar como fazia a norma do direito alemão. O CPC/2015 corrigiu essa imperfeição, dispondo do litisconsórcio necessário no artigo 114, e o litisconsórcio necessário unitário no artigo 116 (“O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”).

 

 

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