Muitos alunos de processo civil deparam-se, logo no inicio de seus estudos, com um conflito entre duas teorias, do qual todos os tratadistas falam. Trata-se do conflito entre a teoria unitária (defendida por CARNELUTTI) e a teoria dualista (defendida por CHIOVENDA). Para a primeira teoria (a unitária), o direito material e o direito processual formam um só unidade, o que significa dizer que o direito material não existe senão no momento em que o processo o cria com a sentença. Para os dualistas, ao contrário, a sentença não cria o direito material, mas apenas o revela.

E os alunos ficam supondo que se cuidam de duas teorias engendradas por eminentes processualistas (CARNELUTTI e CHIOVENDA, em especial), mas sem qualquer aplicação prática. E muitas obras de processo civil de fato, quando tratam dessas teorias, não trazem um só exemplo pelo qual o leitor pode encontrar na prática o que cada teoria dessas afirma.

Mas há uma situação prática no direito positivo brasileiro que permite aos iniciantes e aos iniciados no processo civil a compreensão de quão importante é o tema que diz respeito ao poder do processo civil de criar o direito material ou de apenas revelá-lo. Refiro-me à questão que nossos tribunais vêm enfrentando com certa frequência e que diz respeito a definir se um crédito deve ou não ser submetido à competência exclusiva do juízo da recuperação judicial. A matéria acerca da recuperação judicial está tratada na lei federal 11.101/2005.

Segundo o  Superior Tribunal de Justiça,  considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador (Tema nº 1.051). Assim, os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles anteriores ao processamento da recuperação judicial (RESP 1843332/RS, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

Mas então surge a necessidade de se definir em que momento um crédito (ou seja, o direito material) surge: se no momento em que os requisitos do direito material estão presentes, ou apenas no momento em que o juiz em um processo declara esse crédito existente. Veja o leitor que estamos diante da mesma controvérsia que envolveram os processualistas ao tempo em que o processo civil tomava corpo como ciência, a ponto de se poder dizer que o conflito entre as teorias unitária e dualista é tão antigo quanto a própria Ciência do processo civil.

Para podermos estabelecer se um crédito deve ou não ser submetido ao juízo da recuperação judicial, devemos antes escolher entre a teoria unitária ou a teoria dualista, e conforme a nossa escolha a decisão sobre a competência do juízo da recuperação judicial sofrerá direto influxo.

Pois se, como CHIOVENDA, entendemos que o direito material surge antes da sentença, e esta apenas o revela, deveremos dizer que um crédito que, ele próprio, tenha surgido antes do processamento da recuperação judicial, deverá se submeter à competência exclusiva do juízo da recuperação fiscal, sendo irrelevante que a sentença declarando esse mesmo crédito como existente tenha passado em julgado depois do processamento da recuperação judicial. O importante, segundo a teoria dualista, é compreender que o direito material já existia antes mesmo de a sentença o ter declarado.

Mas se adotamos a posição de CARNELUTTI, então teremos que decidir exatamente o oposto do que decidiria um partidário dos dualistas, porque deveremos entender que é a sentença, apenas ela e por ela que o direito material surge, e assim teremos que dizer que um crédito que tenha sido declarado por uma sentença que passou em julgado depois do processamento da recuperação judicial, esse crédito não deverá se submeter ao juízo da recuperação judicial.

Agora, quando os iniciantes e iniciados estiverem a ler os tratadistas do processo civil e se depararem com a história que envolve as teorias unitária e dualista, poderão contextualizar a doutrina com uma experiência tirada da vida prática, e certamente a compreensão da importância dessas duas teorias revelar-se-á evidente.

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