Malgrado a evidente intenção do CPC/2015 de não se preocupar com a ideia de um processo ético, diferente do que acontecia no CPC/1973, o instituto da litigância de má-fé vez por outra reassume sua importância, quando se tem a necessidade de analisar o comportamento ético-jurídico de um litigante em processo judicial. Consideremos, pois, o papel do MINISTÉRIO PÚBLICO como parte no processo civil, refletindo sobre se lhe pode ser aplicado o instituto da litigância de má-fé nos mesmos moldes em que se dá com o litigante comum.

Com efeito, o CPC/2015, tanto quanto fazia o código de processo civil anterior, fixa um conjunto de deveres ético-jurídicos (artigo 77), impondo-os aos litigantes em geral, obrigando também o MINISTÉRIO PÚBLICO a observá-los, quando, como parte, ajuíza por exemplo uma ação em que alega existir a prática de ato que caracteriza a improbidade administrativa. Tanto quanto se deve exigir de qualquer litigante, não pode o MINISTÉRIO PÚBLICO agir com deslealdade processual, porque, como litigante, está sujeito aos deveres que estão previstos no artigo 77 do CPC/2015 – e se não os observa, pratica  litigância de má-fé, submetendo-se às consequências desse ato, tanto quando acontece com qualquer parte.

Importante observar que constitui elemento indispensável para a caracterização da litigância de má-fé a presença do dolo, ou seja, a demonstração de que o litigante terá tido a evidente e manifesta intenção de violar  qualquer dos deveres que o CPC/2015 prevê. A indispensável presença do dolo, com efeito, é o elemento que distingue a litigância de má-fé do abuso de direito de demandar.

Assim, como para a caracterização da litigância de má-fé exige-se a presença do dolo, é imperioso considerar esse elemento subjetivo quando se cuida de avaliar a conduta processual do MINISTÉRIO PÚBLICO quando atua como parte, porque em favor de sua atuação há uma presunção legal de que esteja a agir na proteção do interesse público, uma presunção legal que projeta importantes efeitos na aferição do dolo para fim de caracterização da litigância de má-fé. Diversamente do que se dá com os litigantes em geral, que não contam com essa presunção, no caso do MINISTÉRIO PÚBLICO sua conduta processual beneficia-se dessa presunção, que conquanto seja relativa (admitindo prova em contrário), não deixa de ser uma presunção que tem força e peso e que deve ser valorada como tal.

Destarte, como há uma presunção legal de que o MINISTÉRIO PÚBLICO tenha atuado na proteção do interesse público quando promove uma ação de improbidade, daí decorre a conclusão de que a aferição do dolo pelo juiz deve ser muito mais rigorosa do que se dá em face de um litigante comum, porque o MINISTÉRIO PÚBLICO beneficia-se da presunção de que tenha atuado processualmente na proteção do interesse público, o que significa dizer que se trata de um dolo qualificado.

Trata-se, pois, de um dolo especial, uma figura que de há muito está presente no Direito Civil e no Direito Tributário, e o processualista deve socorrer-se de um sólida doutrina construída nesses ramos do Direito, quando deva caracterizar o dolo especial na conduta processual do MINISTÉRIO PUBLICO como parte.

No caso do Direito Civil, exige-se a caracterização de um dolo especial, por exemplo, quando se trata de aferir se um médico ou advogado observou uma “especial” ética profissional,  não sendo suficiente que tenha havido apenas uma violação objetiva de uma conduta legalmente prevista, senão que se deve apurar se essa conduta é realmente incompatível com a moral e a ética profissional. No caso do Direito Tributário, exige-se um dolo especial na conduta do sócio, quando se trata de imputar-lhe a responsabilidade pelo descumprimento de uma determinada obrigação tributária atribuída à pessoa jurídica.

Exige-se, portanto, a caracterização da presença de um dolo especial na conduta processual do MINISTÉRIO PÚBLICO, sem o que não se lhe pode atribuir a prática de litigância de má-fé no processo civil. Um dolo especial que se afere sobretudo no campo da moral e da ética profissional.

 

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