O que é o assédio? Dizem os bons dicionários, o Aurélio por exemplo, que, em sentido figurado o assédio caracteriza-se por ser uma insistência importuna junto de alguém, com perguntas, propostas e pretensões. É com esse sentido mais genérico que a figura do assédio passou a ser objeto de uma ainda tímida regulação jurídica. Encontramos na jurisprudência, por exemplo, a descrição da figura do assédio moral como sendo um “abuso cometido contra o subordinado pelo superior hierárquico que, excedendo os poderes que lhe foram atribuídos, dispensa ao servidor tratamento incompatível com a dignidade do último, impondo-lhe rigor excessivo ou constrangimentos alheios aos interesses da Administração” (AC 200450010043902, Desembargador Federal Mauro Luis Rocha Lopes, TRF2 – Quinta Turma Especializada, DJU de 15.10.2007).
No Congresso Nacional, particularmente no Senado Federal, tramita o projeto de número 1.521, que é de 2019 e que prevê o crime de assédio moral, tipificando-o da seguinte forma: “ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função”, e comina pena de detenção de um a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência”. Esse projeto está, desde fevereiro de 2021, na aguarda da designação de relator no Senado. De modo que não existe ainda o crime de assédio moral.
Há Estados-membros que, exercendo sua competência normativa, legislaram sobre o assédio moral no ambiente da Administração Pública em suas relações de trabalho. São Paulo é um desses Estados.
Mas o que é o assédio judicial? No que ele se diferencia ou pode se diferenciar das figuras do abuso de direito e da litigância de má-fé? De primeiro, importante observar que o Código de Processo Civil, que é de 2015, não prevê a figura do assédio, de modo que não se trata de uma conduta prevista em norma legal do processo civil, o que significa dizer que caberia à jurisprudência construir essa figura, mas desde que ela possa se diferenciar tanto do abuso do direito de litigar, quanto do da litigância, porque do contrário bastaria enquadrar a conduta do assédio judicial às figuras do abuso do direito de demandar ou da litigância de má-fé.
No campo do processo civil, existiria para alguns a figura do assédio judicial quando há uma “pulverização” na distribuição de várias ações contra o mesmo réu, mas ajuizadas em foros distantes um do outro e particularmente distantes do foro do réu, de modo que o assédio judicial radicaria na conduta de dificultar o direito de defesa do réu, dado que, demandado em inúmeros e distantes foros, teria que arcar com as despesas que envolvem a defesa em diversos processos e que tramitam em locais bastante diversos.
Ocorre que essa conduta – a de fazer distribuir, contra o mesmo réu, diversos processos em inúmeros e distantes foros -, essa conduta estaria subsumida à figura do abuso de direito no campo do processo civil. Em linhas gerais, a figura do abuso de direito processual caracteriza-se como o exercício de um direito processual, mas com uma finalidade que não se coaduna com a finalidade da norma e do direito subjetivo exercido, revelando, pois, um excesso. A figura do abuso do direito processual distingue-se da litigância de má-fé porque nesta esta presente o dolo, a vontade de causar dano, inexistente na figura do abuso de direito processual.
Destarte, teríamos um problema inicial: se há a figura do abuso de direito processual, e se essa figura abarca a conduta que caracterizaria o chamado “assédio judicial”, não caberia senão que trazer a conduta do assédio judicial para o campo do abuso de direito processual, punindo-a como se fosse abuso do direito de demandar.
Mas se poderia obtemperar que o abuso do direito de demandar refere-se a uma conduta específica praticada em um processo, quando o assédio judicial por sua vez caracteriza-se em um cenário mais amplo, quando se considera um conjunto de processos judiciais, os quais, reunidos, é que criam a dificuldade ao réu para defender-se. De fato essa distinção há de ser considerada, mas é exatamente por força dela que se deve regular, por norma e não por construção jurisprudencial, a figura do assédio judicial, definindo-a com precisão, para que o direito de ação, que é um direito constitucionalmente assegurado, não sofra uma injusta limitação. Cabe ao Congresso Nacional, portanto, legislar a respeito, e sem essa indispensável regulação legal, a conduta não pode ser sancionada.