No campo da teoria do Direito, não é incomum encontrar-se um instituto cuja formação resulta da combinação entre dois regimes jurídicos diversos entre si. Fala-se, pois, em um “tertium genus”, ou seja, de um terceiro gênero, distinto daqueles que atuaram em sua gênese. É o que sucedeu, a título de exemplo, com o processo cautelar, um “tertium genus” entre o processo de conhecimento e o de execução. Mas há situações em que a lógica não permite que se tenha um “tertium genus”.
É o que ocorre com o regime de responsabilidade civil, construído em suas linhas gerais pelo gênio inventivo dos romanos. Ou a responsabilidade civil é objetiva (dispensando a perquirição quanto ao elemento subjetivo na conduta de quem causa o dano), ou é subjetiva (quando esse elemento subjetivo é requisito essencial à caracterização da responsabilidade civil). De maneira que não há espaço para um terceiro gênero, ou seja, não há, no plano lógico-jurídico, como criar um regime que englobe esses dois regimes, porque o requisito que constitui o núcleo da responsabilidade subjetiva não pode jamais aparecer no regime da responsabilidade objetiva, porque, em aparecendo, não se tem a responsabilidade objetiva, mas sim a subjetiva.
Na doutrina, especialmente brasileira, é algo frequente nos depararmos com autores que, pela ânsia da originalidade, dão nomes novos a institutos antigos, dando a impressão a leitores incautos que se trata de um novo instituto, quando, em verdade, trata-se de um instituto tão antigo quanto o próprio Direito. Muitas vezes, e o que é pior, o novo nome dado a um instituto de há muito formado na teoria do Direito acaba por desnaturar a essência desse mesmo instituto.
É o que ocorre com a teoria pomposamente denominada de “teoria da responsabilidade proativa”, engendrada por quem sustenta que, nalguns casos, a responsabilidade civil é objetiva e subjetiva ao mesmo tempo, um “tertium genus”, portanto. Com um falso sabor de novidade, essa teoria tem impressionado no Brasil alguns operadores do Direito, o que significa dizer que da teoria à prática (à jurisprudência) é um passo, e que aliás já foi dado.
Mas como reunir em um instituto dois regimes que se distinguem exatamente pela presença em um do que deve estar ausente no outro: o elemento subjetivo? Com efeito, se a culpa do agente é, por força de lei dispensada na operação mental que se realiza quando se trata de apurar se a responsabilidade civil é objetiva, bastando que se configure o nexo de causalidade entre a ação e seu resultado, como analisar esse mesmo elemento subjetivo se a lei o dispensa, e o dispensa precisamente porque se trata da responsabilidade objetiva? A resposta é obvia, dado que as operações mensais excluem-se em seu resultado: ou a responsabilidade é objetiva ou é subjetiva, não podendo haver, por imposição da lei da Lógica formal, um “tertium genus”.
A propósito, antes de sabermos o que constitui a chamada “responsabilidade proativa”, seria o caso de conhecermos o que significa o termo “proativo”, que, segundo os bons dicionários, o Houaiss por exemplo, tem o significado de algo que visa antecipar futuros problemas, necessidades ou mudanças. Bastaria consultar os dicionários, pois, para vermos que a teoria peca já no começo, pelo nome que se lhe deu.