Há expressões jurídicas cujo sentido inapropriado (por não corresponder à realidade do significado) acabam gerando confusão, fazendo com que se compreenda e se aplique mal um determinado instituto. É o que sucede com a expressão “relativizar” a coisa julgada.

Na próxima semana, o STF lidará com esse tema ao analisar demandas ajuizadas por contribuintes que, em ação anterior, não tiveram êxito em questionar determinados tributos, mas que se o fizessem hoje encontrariam em nossos tribunais a procedência de sua pretensão, fundados no que alegam se deva considerar a realidade atual como prevalecente sobre a coisa julgada material produzida nas ações em que tiveram a sua pretensão rejeitada. Tratar-se-ia, pois, de “relativizar” a coisa julgada, como dizem alguns juristas.

É importante observar que, ao contrário do que se possa pensar, não se trata de um tema novo em nosso Direito, nem no Direito em geral. CHIOVENDA, em 1907, versando magistralmente acerca da coisa julgada em um artigo que publicou na “Rivista italiana per le scienze giuriche”, ao identificar as raízes históricas do instituto da coisa julgada no Direito Romano e de sua evolução no Direito Alemão, analisou como se partiu da compreensão da coisa julgada como um juízo lógico (no direito romano), para, no direito germânico alcançar-se o correto entendimento de que  a coisa julgada  é um instituto fundado na “aliqua utilitas”, e não no “tenor rationis”, ou seja, como observa outro insigne processualista italiano, ENRICO ALLORIO, a coisa julgada é fundada em uma razão prática e não na razão lógica do processo. Daí sublinhar CHIOVENDA que devemos tratar de não ver a sentença mais do que ela é: “um ato de vontade do Estado”, que se afirma conforme a vontade já declarada em abstrato.

Acrescenta o genial CHIOVENDA: “a autoridade da coisa julgada consiste nisto somente, em que nenhum juiz possa acolher demandas dirigidas em qualquer modo a retirar ou diminuir a outros um bem da vida obtido em virtude de um precedente ato de tutela jurídica a respeito da mesma pessoa”. 

Portanto, há que se considerar a coisa julgada, não como um juízo lógico, senão que verdadeiramente como um ato de vontade do Estado, expressa essa vontade em um determinado espaço de tempo e em face de circunstâncias concretas reveladas na demanda que foi julgada definitivamente. Destarte, se o Estado, por meio do juiz, declarou em sentença, como ato de vontade, que um tributo era exigível, e se passou em julgado esse ato de vontade, o tributo era exigível, ainda que sob o plano lógico não o pudesse ou devesse ser.

Fosse um juízo lógico a sentença, e a coisa julgada material poderia ser afastada ou enfraquecida (“relativizada”), se, andando o tempo, pudesse ser identificado algum erro na construção do raciocínio, antes não percebido. Mas como a coisa julgada é fruto de uma eleição prática, de um ato de vontade exercido concretamente em determinadas circunstâncias de tempo e de lugar, não há como modificá-la.

 

 

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