Quem acompanha de perto a nossa jurisprudência em matéria de direito privado terá  percebido quão raro é a menção a normas constitucionais, como se elas não existissem ou não devessem ser aplicadas. Isso ocorre particularmente em julgados no quais  se discute direito do consumidor, cuja disposições parecem ser autossuficientes.

Criado em 1990, o Código de Defesa do Consumidor transformou de fato a nossa legislação de direito privado, incorporando regras de responsabilidade objetiva (artigo 54) e adotando a técnica da inversão do ônus da prova, antecipando o que o Código de Processo Civil de 2015 viria a prever. Esse Código modificou na essência as relações de consumo, permitindo que o juiz as veja de modo distinto do que se dá com as relações jurídico-privadas em geral – e é positivo que isso suceda.

Mas o Código de Defesa do Consumidor trouxe também um importante problema: ele ofuscou o direito constitucional, quase que não mencionado ou invocado quando se identifica como de consumo o objeto da lide. É como se bastasse dizer o juiz ou tribunal que se trata de uma relação de consumo para, sem mais, afastar-se a necessidade de se socorrer das normas constitucionais.

Confira-se, a título de exemplo, a jurisprudência sobre contratos de plano de saúde, individuais ou coletivos. Na imensa maioria dos julgados nessa matéria, a aplicação das normas circunscreve-se ao Código de Defesa do Consumidor. Olvida-se, pois, que as normas que preveem direitos subjetivos de matriz constitucional, como a do artigo 196, projetam efeitos sobre as relações jurídico-privadas, inclusive as relações de consumo, conferindo uma proteção jurídico-legal mais completa às relações privadas.

O conhecido jurista alemão, CLAUS-WILLIAM CANARIS, em um congresso de professores do Direito Civil realizado na década de 1970 na Alemanha, já havia identificado esse grave problema: a desconsideração pela doutrina e jurisprudência do Direito Civil da aplicação das normas constitucionais, as quais assim não eram consideradas como importante material hermenêutico. Esse fenômeno está ainda suceder em nossa jurisprudência e isso merece nossa especial consideração.

Deve-se ponderar, com efeito, acerca das circunstâncias do caso em concreto, para que se possa decidir se a esfera jurídica do consumidor não está aquém de uma proteção jurídico-legal razoável. Esse é um tipo de análise que é feito quando se aplicam as normas constitucionais às relações privadas, sobretudo nas relações de consumo.

Não se pode deixar de reconhecer que o Código de Defesa do Consumidor é um monumento legislativo, seja por sua importância, seja pela originalidade, tendo se tornado um paradigma de legislação para outros países. Mas também não se pode olvidar que a Constituição de 1988, em norma de direito fundamental, obriga o Estado a promover a defesa do consumidor, e que outras normas de direito fundamental, atuando como material hermenêutico, devem ser pensadas e aplicadas quando se está a analisar as relações jurídico-privadas em que está configurada uma relação jurídica de consumo.

 

 

 

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