Para colmatar o espaço deixado pela supressão dos embargos infringentes no sistema recursal brasileiro, o Código de Processo Civil de 2015, por seu artigo 942, engendrou uma técnica em cuja essência está presente uma percuciente observação do filósofo francês, FRANÇOIS EWALD, que, baseado nas ideias de MICHEL FOUCAULT, de quem foi assistente, afirma que o que caracteriza um julgamento jurídico é o fato de que a sua validade depende da objetividade, e não de decisões arbitrárias, o que justifica que nosso Direito positivo tenha buscando encontrar uma técnica de aperfeiçoar o conteúdo das decisões proferidas em grau de recurso, sobretudo no recurso de apelação.
Como observa o processualista italiano, SALVATORE SATTA, em sua consagrada obra “Direito Processual Civil”, a ordem jurídica é acima de tudo prática, pois que necessita de certeza não menos que de justiça, e que por isso deve em dado momento contar com a solução da controvérsia, para que não se ofereça a possibilidade de mutações. Impõe-se ao Direito positivo, portanto, a necessidade prática e objetiva de alcançar, tanto quanto possível, a certeza no julgamento, no que está o núcleo de sua validade.
Justifica-se assim que uma legislação do processo civil como a nossa utilize-se de técnicas cujo objetivo é aperfeiçoar o resultado do julgamento de um recurso, de modo a conceder a esse julgamento um grau maior de certeza, o que, aliás, constitui a finalidade para a qual os recursos existem, pois como observa FRIEDRICH LENT, a existência de meios de impugnação responde não somente ao interesse da parte, mas também ao da administração da Justiça na sua complexidade.
O princípio do duplo grau de jurisdição, diz CHIOVENDA, representa uma garantia sob três aspectos: “na medida em que um reiterado julgamento torna, já por si, possível a correção dos erros; (..) porque os dois julgamentos são confiados a juízes diversos; (…) uma vez que o segundo juiz se apresenta como mais autorizado que o primeiro (…)”. É o que demonstra à necessidade da existência um sistema recursal, tanto para o aumento das garantias de um correta administração da Justiça, quanto para que se implemente, na medida do razoável, uma unidade de jurisprudência, conforme o pensamento de ADOLF WACH.
Pois bem, na medida em que a legitimidade do Direito positivo depende essencialmente de sua objetividade, e que a certeza jurídica é um importante predicado a considerar-se nesse contexto, compreende-se a razão pela qual o legislador do Código de Processo Civil tenha adotado uma engenhosa técnica – a do julgamento estendido -, pela qual, aperfeiçoando-se o julgamento de determinados recursos (de apelação, de ação rescisória e de agravo de instrumento) por meio da ampliação do número de julgadores, implementa-se uma maior objetividade no resultado do julgamento.
Para tanto, o Código de Processo Civil de 2015 prevê em seu artigo 942: “Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores” – prevendo, assim, que se deva prosseguir com o julgamento do recurso de apelação até que se consiga alcançar uma maior objetividade e certeza jurídica, o que passa pela ampliação do número de julgadores.
Não se trata de um novo recurso de apelação, senão que de uma técnica adotada com a finalidade de garantir objetividade e certeza jurídica. Tratando-se de uma técnica que busca alcançar esses predicados, não há necessidade de a parte sucumbente requerer que o julgamento prossiga, porque o órgão julgador, ele próprio, deve determinar o prosseguimento do julgamento com a inserção de mais julgadores, os quais estão na mesma condição dos julgadores iniciais, o que significa dizer que se retoma o julgamento não no ponto em que a controvérsia instalou-se, senão que no ponto inicial do julgamento do recurso. Os romanos diriam que o julgamento estendido produz um julgamento “ab ovo”, no sentido de que o julgamento vai do princípio até o fim, é completo. E como o julgamento da apelação é uma continuação da sentença, os julgadores, originários e os acrescidos, podem reexaminar a sentença integralmente, e não apenas a questão que, controversa, gerou o julgamento estendido.
Ao legislador do CPC/2015 pareceu conveniente adotar essa mesma técnica no julgamento da ação rescisória e para uma específica hipótese de agravo de instrumento (quando o resultado do agravo de instrumento tenha gerado a reforma da decisão que julgara parcialmente o mérito da pretensão).
A técnica do julgamento estendido confere razão, em certo aspecto, à tese de FRANÇOIS EWALD, no sentido de que o direito não existe como tal, senão que apenas por suas práticas.