A portaria que o governo federal editou ontem, caracterizando como “prática discriminatória” para fins de relação jurídica de trabalho exigir o empregador que o empregado comprove tenha se vacinado contra o “Covid”, surge em uma realidade bem distinta daquela que existia ao tempo em que dois importantes fatos ocorreram: a entrada em vigor da lei federal 13.979/2020, e o julgamento pelo STF acerca dessa mesma lei.
Com efeito, chegamos em um momento em que o número de mortes por “Covid” diminuiu consideravelmente, assim como o número de novos casos. Ontem, por exemplo, foram 98 mortes, que representa o número mais baixo de mortes desde 11 de abril de 2020. Cerca de 3.800 novos casos foram identificados, um número bastante distante daquele registrado no ápice da pandemia.
Essas circunstâncias da realidade material subjacente devem ser consideradas, nomeadamente quando se está a analisar a questão das medidas restritivas que podem ser adotadas contra quem decidiu não se vacinar, invocando o direito de liberdade, em confronto com a posição jurídico-estatal, em um conflito de direitos para o desimplicar do qual se torna indispensável analisar as circunstâncias específicas trazidas pela realidade ao tempo em que se está a analisar o conflito entre direitos.
Destarte, se noutros momentos da pandemia poder-se-ia justificar que medidas mais restritivas pudessem ser adotadas, agora o quadro fático-jurídico modificou-se de modo expressivo, considerando os números da pandemia no Brasil. Uma medida restritiva, desde há muito ensina ROBERT ALEXY, deve guardar uma relação de natureza lógico-jurídica com a importância do bem jurídico tutelado. Assim, quanto mais grave uma medida restritiva, maior deve ser a importância do bem que se queira proteger por meio da medida restritiva. A demissão de um empregado, por exemplo, é uma medida evidentemente grave, sobretudo pela importância do emprego em nossa combalida realidade econômico-trabalhista, e dada a gravidade desse tipo de medida, há que se identificar uma justa e proporcional razão que a legitime.
Além disso, é sempre necessário enfatizar que, em uma colisão entre direitos, é sempre melhor buscar a harmonização entre os direitos em conflito, em lugar de se impor o sacrifício a um deles.
Em tendo a realidade se modificado, a ponderação entre os interesses em conflito deve considerar essa mudança.