Quando o autor nega existir uma relação jurídica, pode-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor? Suponha-se a seguinte hipótese: o autor é cobrado por uma instituição bancária e tem seu nome “negativado” em relação a essa suposta dívida. O autor, então, ajuizando ação, objetiva seja declarada a inexistência da relação jurídico-material, e invoca a aplicação do regime de proteção do Código de Defesa do Consumidor. Mas se inexiste qualquer relação jurídica, inexiste, por óbvio, a relação de consumo – e se inexiste a relação de consumo, não poderia, em tese, aplicar-se o Código de Defesa do Consumidor, que pressupõe exista uma relação de consumo.
Essa situação foi apreciada em decisão recente, por mim proferida. Vejam o texto da tutela provisória de urgência que ali foi concedida:
“E a tutela provisória de urgência de natureza é concedida, considerando que há uma situação de risco concreto e atual que está bem descrita na peça inicial e em seu aditamento, a compasso com o reconhecer que, em cognição sumária, identifica-se a plausibilidade jurídica no que o autor argumenta no sentido de negar exista com a ré qualquer relação jurídico-material que justificasse a “negativação” de seu nome em cadastro de inadimplentes.
A propósito, importante destacar que, ainda na hipótese em que se negue existir uma relação jurídico-material, pode-se aplicar o regime de proteção conferido pelo Código de Defesa do Consumidor. Conquanto negue o autor exista qualquer relação jurídico-material, o que, no plano lógico, significaria dizer que nega exista até mesmo uma relação de consumo, há que se considerar que o regime de proteção do Código de Defesa do Consumidor também se deve aplicar quando a parte busca obter um provimento de declaração negativa, ou seja, quando o autor quer que se declara inexistir a relação jurídico-material. E, aplicando esse regime de proteção no caso presente, identifico a plausibilidade jurídica em favor do autor”.
Há que se entender, com efeito, que ainda na hipótese em que se alegue inexistir a relação jurídico-material de consumo, o regime de proteção conferido pelo Código de Defesa do Consumidor, sobretudo seus predicados de natureza processual (a técnica da inversão do ônus da prova, por exemplo) é de ser aplicado. Importante lembrar que a autonomia da relação jurídico-processual foi conquistada quando se identificou a presença dos pressupostos processuais, e mais particularmente quando se atentou para certa peculiaridade da ação declaratória negativa, pela qual se demonstrou que a relação jurídico-processual existe e pode existir independentemente de existir ou não existir a relação jurídico-material. Aliás, no caso da ação declaratória negativa a procedência do pedido decorre exatamente do reconhecer-se que a relação jurídico-material não existe. Demonstrou-se assim a autonomia da relação jurídico-processual.
Cabe enfatizar nesse contexto que as condições da ação devem ser sempre aferidas a partir dos dados que compõem a relação jurídico-material (a legitimidade para agir e para ser demandado, por exemplo, é identificada com base na relação jurídico-material objeto da demanda). E assim também ocorre no caso da ação em que se busca obter um provimento jurisdicional declaratório-negativo, quando se pretende que o juiz declare inexistir a relação jurídico-material objeto da lide. Nessa hipótese, conquanto não exista, ou se afirme não existir a relação jurídico-material, as condições da ação devem ser aferidas como se a relação jurídico-material existisse.
O mesmo raciocínio deve ser empregado na hipótese de que tratamos. Com efeito, quando o autor alega inexistir uma relação jurídica de consumo, e pretenda obter um provimento declaratório-negativo, o regime jurídico-processual a aplicar-se é aquele estabelecido com base na relação jurídico-material objeto da lide, ainda que ao final, procedente o pedido, venha a ser declarado por sentença que essa mesma relação jurídica de consumo não existe.
Tudo para concluir que, na ação em que o autor quer obter um provimento declaratório-negativo, quando quer que o juiz declarar inexistir uma relação jurídica de consumo, o regime jurídico-processual a aplicar-se é o estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.