Os jornais noticiam um processo judicial envolvendo um conflito de interesses derivados de posições jurídicas, ambas legítimas. De um lado um paciente que, invocando objeção baseada em consciência religiosa, nega-se a recebe transfusão de sangue; doutro lado, o hospital, cujo corpo clínico afirma existir risco à saúde do paciente e a urgente e imprescindível necessidade de que o paciente submeta-se a uma transfusão de sangue. Essas circunstâncias fáticas conduziram o hospital a buscar a tutela jurisdicional, para que seu corpo clínico seja autorizado a realizar o procedimento de transfusão de sangue.
Trata-se, pois, de uma demanda na qual se instala um conflito entre dois direitos fundamentais: o direito à objeção por motivo de consciência religiosa, e o direito do hospital de utilizar o procedimento terapêutico indicado pela ciência médica como urgente e indispensável.
A objeção fundada em motivo de consciência religiosa é tema com o qual os tribunais constitucionais da Europa ocidental de há muito lidam. No Brasil, a temática ainda não é frequente, tanto assim que o caso é objeto de noticiário de jornal, exatamente por não se tratar de um fato corriqueiro ou efêmero.
Para esse tipo específico de controvérsia judicial, a doutrina e a jurisprudência indicam a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, e mais particularmente da ponderação entre os interesses em conflito. A jurisprudência alemã consolidou alguns critérios que devem ser aplicados nesse tipo de ponderação, e um deles refere-se a perscrutar se existe outra forma ou meio de, preservando-se a consciência religiosa, harmonizar-se com ela o direito em conflito. Quando não há essa outra forma ou outro meio, o sacrifício de um dos direitos é imperioso, como se dá no caso em questão, porque, em não havendo outra forma ou meio de preservar a saúde do paciente, ou de não agravá-la, sendo, pois, urgente e indispensável que ocorra o procedimento médico de transfusão de sangue, ponderando-se as circunstâncias do caso em concreto, deve prevalecer o valor jurídico de maior importância – no caso, o direito à proteção à saúde, justificando se imponha o sacrifício ao titular do direito à objeção por motivo de consciência religiosa.
Observe-se o leitor como, andando o tempo, o princípio da proporcionalidade vem se tornando um princípio de aplicação mais recorrente em nossa jurisprudência, o que é indicativo de uma evolução de nosso Estado de Direito.