Vivemos em um Estado de Direito, mas lhe falta o principal predicado: o da rigorosa e imprescindível observância ao princípio da legalidade. Com efeito, banalizou-se, além de um justo limite, o uso de decretos, portarias e provimentos como instrumentos de legislação, quando se tem como de ciência certa que esses instrumentos possuem uma função meramente reguladora, e não de disposição, papel reservado apenas à lei formal, importante garantia ao Estado de Direito, na medida em que a lei formal exige um rigoroso procedimento legislativo de que participam os parlamentares, eleitos como representantes dos cidadãos.
Uma simples portaria, que como bem observa HELY LOPES MEIRELLES, tem papel secundário em termos de legislação formal, porquanto “são atos administrativos internos pelos quais os chefes de órgãos, repartições ou serviços expedem determinações gerais a seus subordinados, ou designam servidores para funções e cargos secundários”, tem sido utilizada para legislar sobre temas reservados à lei formal, com evidente ofensa à Constituição de 1988.
E o mesmo vem sucedendo com decretos e provimentos, cuja função não pode ser outra que a de regulamentar o que a lei formal prevê, sem poder criar, eles próprios (o decreto ou provimento), a regulação sobre condutas ou relações jurídicas, nomeadamente quando o que se regula guarda relação direta com direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988.
Não se pode dizer que esse fenômeno – o da usurpação de uma função legislativa por instrumentos como o do decreto, portaria e provimento – decorra da omissão do Poder Legislativo. Trata-se, sim, de utilizar esses instrumentos para intencionalmente escapar do rigor do procedimento legislativo, que, fundado na maioria e nos debates legislativos (que são sempre uma fonte de incerteza), não permitem um controle tão seguro quanto ao que se vai legislar e como se vai legislar.
A inconstitucionalidade formal desses instrumentos é patente.