Ainda hoje viceja a controvérsia instalada de há muito entre CHIOVENDA e CARNELUTTI quanto ao perscrutar se é o processo civil que faz criar o direito material, ou se este preexiste e o processo apenas o declara existente, controvérsia da qual nasceram duas teorias que se tornaram clássicas:  uma teoria denominada de “dualista”, comandada por CHIOVENDA, e a outra denominada de “unitária”, esta baseada na posição de CARNELUTTI, segundo a qual é o processo que cria o direito material.

E é exatamente acerca dessa controvérsia que DINAMARCO, em suas “Memórias de um Processualista”, defendendo a teoria dualista, relembra as “longas e intermináveis discussões com o jurista e especialista em direito econômico, EROS ROBERTO GRAU, que, defendendo a teoria unitária, costumava se socorrer de uma hipótese, referindo-se a um grupo de pintores iniciantes que, convocados por seu mestre, haviam sido incumbidos de uma tarefa acadêmica, que os reunira em um sala do “Louvre”, para que fizesse cada aluno  uma cópia do famoso quadro da “Mona Lisa”, de modo que o exercício fizera criar  variadas cópias do quadro original, sem que se pudesse dizer qual dessas cópias era a melhor, fundado no que EROS ROBERTO GRAU buscava demonstrar que assim também sucede com as sentenças que um grupo de juízes tenha prolatado em face de uma mesma demanda, sentenças que variam de uma para outra, e que apenas aquela prolatada pelo verdadeiro juiz da causa é que fará criar o direito, para concluir que  “os juízes, intérpretes autênticos, embora não o crime, produzem direito ao completar o trabalho do legislador”.

Ao que DINAMARCO obtempera que há entre os dois exemplos (o dos pintores e dos juízes) uma diferença substancial, porquanto os pintores lidam com impressões puramente estéticas, e não com a vida, dignidade ou destino das pessoas, e é a diferença entre esses valores que comprovaria que o juiz não pode, a seu gosto, criar o direito, senão que deve apenas declarar aquele que preexiste à sentença.

Com todo o respeito que devemos tributar a DINAMARCO,  um dos maiores processualistas brasileiros, há em sua posição um equívoco no olvidar que também a sentença pode ser considerada como objeto da Estética, dado que, expressa por meio de uma linguagem que é dotada de signos e significados, ela é um fenômeno que está abrangido no campo da Arte, a qual, aliás, excede os limites de avaliações puramente estéticas, mantendo relação, por exemplo, com a história e a cultura, sendo o direito positivo expresso na sentença de resto uma linguagem e como tal um fenômeno histórico-cultural. De resto, tanto quanto na sentença, no famoso quadro da “Mona Lisa” há valores que a magistral linguagem de LEONARDO DA VINCI conseguiu expressar, e a sua importância como obra de Arte decorre exatamente da controvérsia quanto a esses valores, pois que vinculados a determinados signos e seu sentido ao longo do tempo.

Assim, o argumento de que utiliza-se DINAMARCO, baseado na distinção de importância entre valores (vida, dignidade, etc…),  apenas confirma que é exclusivamente o fato de o Estado incorporar ao mundo do direito positivo tais valores, atribuindo-lhes por lei uma natureza jurídica, que comprova que, sem a sentença que reconheça tais valores como jurídicos e eficazes, eles não existem, ou ao menos não existem completamente.

O que sobreleva distinguir, no exemplo mencionado, não  são os valores em si, pois que estão presentes tanto na cópia da “Mona Lisa”, quanto nas sentenças, mas sim o atributo que apenas o direito positivo pode conferir, que é o de, por meio de uma sentença judicial, reconhecida oficialmente como tal pelo próprio Estado, reconhecer a existência do direito material, tanto quando do valor jurídico a ele vinculado. A propósito, o formalista KELSEN aceitaria de bom grado o exemplo dado por EROS ROBERTO GRAU, para o empregar, com grande eficiência, em sua “Teoria Pura do Direito”.

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