CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, a exemplo de NORBERTO BOBBIO, escreveu suas memórias, e há entre esses dois grandes juristas um elemento em comum, que radica no sublinharem quão frequente mostra-se a ingenuidade do legislador.
Em “Memórias de um Processualista”, publicadas em 2021, DINAMARCO analisa, com habitual acuidade, como o nosso legislador do processo civil acredita piamente no poder da lei para mudar a realidade, como aconteceu com o processo de execução, ao qual se atribuía uma lentidão excessiva, que assim, segundo o legislador brasileiro, poderia ser resolvida se esse tipo de processo fosse extinto, como ocorreu em 2005, entrando em seu lugar a fase do cumprimento de sentença.
Processualistas menos crédulos que o legislador, e mais zelosos pela tradição da ciência do processo civil, como DINAMARCO, sabiam o preço que se paga quando a tradição é descurada e o principal efeito que daí advém, que é a desestruturação de um sistema, e por isso tinham certeza que, andando o tempo, a ingenuidade do legislador de 2005 evidenciaria o desacerto na supressão do processo de execução, de sorte que, em um novo código (que viria a surgir em 2015), o equívoco fosse superado, quando o legislador deveria perceber que bastaria ao legislador, mantendo a autonomia do processo de execução, determinasse a citação do executado na pessoa do advogado, com o que uma parte do problema da celeridade seria resolvida.
“A experiência que veio depois demonstrou que, não-obstante essa transformação, a execução forçada continua quase tão morosa quanto antes. Houve algumas inovações pontuais realmente legítimas e muito úteis, mas a desestruturação do sistema processual foi um desserviço” – escreve DINAMARCO em suas memórias.
Caro Professor -pontuais e fulcrais suas observações, principalmente aquela atinente ao legislador que tem na lei uma “varinha de condão” – pronta a mudar a realidade, esquecendo-se de que os fatos evoluem e transformam as sensações lastreadas em percepções e sensações que nem sempre se mesclam com reais necessidades.
Parabéns – pelo final lamentoso, mas, essencialmente fático do processualista Dinamarco.
Perfeito, Renato. Obrigado pela atenção dispensada ao texto.