Quando um país começa a refletir sobre o papel de suas instituições, é sinal bastante indicativo do grau de desenvolvimento a que o país começa a atingir. “Per fas et nefas”, estamos agora a discutir o papel das Forças Armadas, tudo de molde que poderemos definir se elas são um poder, e em sendo um poder, se são, ou não são um poder moderador. Qualquer que seja o resultado da reflexão sobre esse tema, ainda que um pouco tardio se considerarmos que a Constituição é de 1988, o fato é que avançamos em nosso grau de desenvolvimento como país.
Não há uma relação estável entre forma e conteúdo como observam os semiólogos, e isso vale também ou sobretudo para o Direito. O aspecto temporal tem importante peso na significação (no conteúdo), quando associado a uma determinada forma. O que, em 1988, eram as Forças Armadas no Brasil, e o que elas são hoje, é uma questão que comprova como a relação entre a forma (a norma) e o conteúdo não é, nem pode ser estável.
Em 1988, quando surgiu a nossa Constituição, o artigo 142 previu: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Essa é, pois, a forma, o enunciado da norma constitucional, cujo conteúdo em 1988 era certamente bem diverso daquele que temos hoje, bastando considerar que, em 1988, o Brasil deixava um longo período de ditadura militar e o texto da Constituição de 1988 ainda apresentava vestígios daquele tempo e da influência do poder militar. Mas como a relação entre a forma e conteúdo nunca é estável, deve-se indagar se o conteúdo da norma do artigo 142 da Constituição é aquele, ou se foi modificado, quando estamos prestes a completar 33 anos de nossa Constituição.
Será que o que a Ciência Política entendia como poder nos moldes de MONTESQUIEU não foi acrescido pelo conceito de instituição, ou seja, o que antes tínhamos como poder (O Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário), andando o tempo, modificada a realidade, não ensejou que se considerassem a existência também das instituições? As Forças Armadas não seriam, portanto, uma instituição, tanto quanto é, por exemplo, o Ministério Público, caracterizando-se as instituições como um organismo vivo que, nas relações com os três Poderes, sem se ligar diretamente a qualquer deles, não os auxilia nos conflitos que possam existir entre eles (entre os Poderes), quando se trate de buscar a prevalência do interesse público, que é a significação nuclear das normas Constituições?
Ao tempo em tínhamos aqui a monarquia e um rei, tínhamos um poder moderador, e a prevalecer o que dizia MACHADO DE ASSIS, esse poder moderador era legitimamente exercido pelo rei por direito e por seu espírito de moderação: “Não é rei filósofo quem quer. Importa haver recebido da natureza um espírito superior, moderação política e verdadeiro critério para julgar e ponderar as coisas humanas”. Tínhamos, portanto, um poder moderador, mas com o sentido próprio e específico que apenas em uma monarquia se pode ter. Todavia, em face de uma republica, o que é um poder moderador, senão que aquele que é exercido por todas as altas instituições públicas, cujo papel principal é o de fazer a intermediação entre o interesse público e a posição defendida pelos três Poderes, quando em conflito.
As Forças Armadas são uma instituição dessa natureza, com uma feição no âmbito interno marcadamente moderadora, se as entendermos com o sentido que acima distinguimos, ou seja, como uma instituição cujo papel é o de fazer com o que prevaleça o interesse público, que está e deve estar sempre acima dos interesses dos três Poderes. A propósito, não seria o Ministério Público uma instituição com a mesma natureza? Se examinarmos com atenção o que prevê o artigo 129, inciso II, da CF/1988, e o cotejarmos com o que estabelece o artigo 142 da mesma Constituição, observando que em ambas as normas está com seu núcleo a proteção da lei e da ordem, essa conclusão impõe-se.
Importante lembrar que, em um país como o nosso que não possui um Tribunal Constitucional (um Tribunal que é formado por representante dos Três Poderes e também do povo), as altas instituições públicas cujo papel é moderador ganham especial importância quando, no contexto do conflito entre poderes, o interesse público necessite de alguém que o possa defender legitimamente, respeitada, por óbvio, as prerrogativas que a Constituição de 1988 outorga a cada um dos três Poderes, no que, aliás, radica a essência de um Estado de Direito e de uma verdadeira Democracia.