É possível prever com alguma segurança a ocorrência de um golpe contra a democracia, ou suas circunstâncias são tão variáveis e aleatórias que essa previsão revela-se difícil e imprecisa, a ponto de essa imprecisão poder ser utilizada como uma forma de manipular a informação, para manter o poder como está?
Consideremos, a título de exemplo, o que ocorreu em 1964 no Brasil. Tínhamos àquela altura como prever que um golpe militar viria a ocorrer? Se formos aos jornais e livros da época, veremos como era fluída a sensação que os especialistas em ciência política e intelectuais tinham quanto à mantença do governo JOÃO GOULART, que, importante observar, era apoiado por ramos das Forças Armadas, especialmente as de baixa patente. Bastou, contudo, um episódio de menor importância, quase que um “fait diver”, para que o golpe militar eclodisse.
Com efeito, as circunstâncias da realidade sociopolítica são sempre muito variáveis, fluídas e aleatórias, criando um quadro de imprevisibilidade quase que absoluta, o que, de resto, é ampliado pelo jogo das relações de poder, ou mais propriamente, de poderes, como existem em uma sociedade cada vez complexa. Estratégias de comunicação aparecem aí como uma ferramenta altamente eficiente nesse jogo. O que se diz em público não corresponde muitas vezes à realidade. Escamoteiam-se informações, que são assim manipuladas de acordo com os interesses de quem disputa espaço de poder. Aquilo que parece, não é.
Uma constituição não é, só por si, garantia de que um regime democrático subsista e que não possa ser derrubado por um golpe. Enquanto a constituição é uma letra escrita, a realidade (a cambiante realidade) é viva, o que significa dizer que nada é seguro e tudo pode mudar, pois como adverte MACHADO DE ASSIS, nada é assaz fixo neste mundo: talvez a lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Note o leitor que MACHADO não inseriu a constituição nesse rol de coisas fixas.
Obviamente, devemos manter constante vigilância sobre as instituições e, sobretudo, sobre aqueles que as comandam, analisando suais ideias e seus atos, cotejando-os com o que a constituição estabelece. Portanto, quando há descompasso entre o que a constituição quer e o querem as pessoas que comandam as instituições, nosso sinal de alerta deve estar ligado. Mas também devemos estar atentos a movimentos políticos cujos interesses não são o que parecem ser.