Falamos ontem na subsunção, que, segundo CALAMANDREI, consiste na atividade prática que o juiz executa em um processo, quando está a considerar determinado fato em face de uma norma legal, para poder concluir se o fato se amolda ou não se amolda ao texto da norma.
Hoje falaremos da “fake news”, um termo que há pouco tempo ingressou em nosso mundo social e jurídico, e não tardará que o “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”, que é editado pela Academia Brasileira de Letras, incorpore esse termo. Aliás, coincidentemente está a ocorrer agora uma atualização daquele dicionário, com a introdução de mil novas palavras.
Mas qual é o conceito de “fake news”, essa expressão composta por duas palavras em inglês. “Fake”, segundo o autorizado “The American Heritage Dictionary of the English Language”, tem vários significados, mas seu núcleo é formado pela ideia de algo que tem uma falsa ou equivocada aparência; algo fraudulento, ou ainda, uma pessoa, um ato ou coisa que não é genuína ou autêntica; uma “sham”, ou seja, uma mentira. “News”, por sua vez, é uma palavra formada no plural, mas usada com um verbo no singular, e significa acontecimentos ou fatos recentes, especialmente aqueles que não são usuais ou correntes. De modo que, em inglês, “fake news” tem o significado de uma notícia falsa, mentirosa, uma notícia que tem uma equivocada aparência.
Esse provavelmente será o mesmo sentido construído para a formação do instituto jurídico. Digo “será construído” porque não temos ainda, no Direito Positivo brasileiro, uma norma legal que preveja expressamente essa figura com todos seus aspectos e contornos.
Mas, “de lege ferenda”, o que a norma do Direito Positivo poderá abarcar no conceito de “fake news”, ou seja, o que é uma notícia falsa ou mentirosa no campo do Direito Positivo? Que modalidades de mentira podem ser incluídas no conceito normativo-jurídico de “fake news”?
Por exemplo, um prefeito ou governador que promete, em seu discurso de campanha, uma determinada obra, e, eleito, não a executa, terá incidido na figura jurídica da conduta de “fake news”? Distorcer números da realidade para legitimar uma determinada política pública, ou sonegar da sociedade esses números, caracterizam a prática da “fake news”? E como vivemos na era da pandemia, transmitir a sociedade a impressão de que estamos a voltar a uma suposta normalidade, quando o político tem à disposição números científicos que demonstram o contrário, é ou não praticar “fake news”?
Percebe o leitor que, adotado o conceito genérico de publicar ou divulgar uma notícia falsa ou mentirosa, poderemos chegar muito longe na subsunção jurídico-legal, alcançando tantos fatos que ensejará o raciocínio inverso: o que não constitui uma “fake news”?.
O Direito Positivo vive da segurança jurídica, que é seu maior predicado, e para o proteger deve a norma legal descrever com acentuada objetividade e simplicidade (o que não é fácil reunir em uma mesma norma) qual a conduta fática que se deve encontrar na realidade, com a descrição de todos seus aspectos, fixando o legislador, outrossim, se deve haver dolo ou se basta a culpa de quem pratica a conduta descrita, para que o juiz possa, ao subsumir o fato à norma, concluir, com segurança, se a infração ocorreu ou não.
Hoje, como estamos, o conceito de “fake news” é um conceito daqueles indeterminados, e indeterminado a tal ponto que tudo está nele, segundo a vontade do juiz ao subsumir um fato à norma legal, e como tudo pode estar nele, tudo também pode não estar, segundo a mesma vontade do juiz. Está aí o maior risco ao Estado de Direito – e se há risco a ele, há risco direto à Democracia.