Em meio à controvérsia quanto a adotar-se o voto impresso ou se manter o voto eletrônico, com autoridades brasileiras de um lado afirmando que o voto impresso é o único que permite uma checagem dos votos, enquanto outras autoridades defendem que as urnas eletrônicas são meio um seguro para a lisura das eleições, havendo ainda, como sempre há, quem, em uma posição intermediária, argumente que a urna eletrônica é boa, mas se ela emitir um recibo, então se tornará perfeita, no meio, pois, dessa confusão imagino como está perplexo o eleitor comum, aquele que simplesmente vai a seu local de votação no dia fixado pela lei e ali vota, seja por escrito, seja por meio eletrônico, ou qualquer outro meio que se lhe coloque à disposição.
Com efeito, esse eleitor comum, tantas vezes foi votar, que acreditava estivesse tudo resolvido quanto à forma de se votar, e agora percebe que não é bem assim.
Esperemos que esse eleitor comum no Brasil não faça como fizeram os eleitores no conhecido romance de Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, que é de 2004. Nesse livro, Saramago, com uma intenção evidentemente alegórica, narra o que ocorreu em um país imaginário (nos livros de Saramago, nenhum país é tão imaginário assim), quando, marcada uma eleição, ocorre de chover, e o fato é que poucos eleitores comparecem a princípio para votar, o que surpreende as autoridades diante do insólito do acontecimento. Mas durante o dia, as coisas normalizam-se e os eleitores formam as tradicionais filas nos postos de votação. Ao final do dia, contudo, as autoridades veem-se diante de uma catástrofe: setenta por cento dos eleitores votaram em branco, o que significava que o sistema política fora colocado diante de uma perigosa situação: a da perda de sua credibilidade. A solução encontrada pelos políticos é simples: abandonados pelos eleitores, abandonam-nos, deixando a cidade entregue a si própria e a isolando.
Claro que se trata de uma obra de ficção, o que significa dizer que o enredo é tão somente uma criação artística do genial Saramago. Mas como disse outro romancista e também ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, como a realidade escreve sempre melhor, os escritores devem se contentar em imitá-la, com humildade e da melhor maneira possível.
Aguardemos ansiosamente pelas próximas eleições.