São raríssimos os estudos que relacionam o processo civil e a linguagem, como se no processo civil a linguagem não existisse, ou não tivesse qualquer importância. Propomo-nos aqui a estabelecer como se dá essa relação, mas  consideraremos apenas um aspecto, como um convite àqueles que queiram pensar sobre esse fecundo tema.

Adotaremos como ideia nuclear o que escreveu o filósofo russo, TZVETAN TODOROV, adaptando ao processo civil em sua relação com a linguagem o que TODOROV pensou e desenvolveu no campo da relação entre a Literatura e a linguagem. O texto que servirá de referência tem o título “Linguagem e Literatura”, e que compõe o livro “As Estruturas Narrativas”, publicado no Brasil pela editora Perspectiva.

Comecemos  pela causa de pedir e pela teoria da substanciação, segundo a qual o autor, na peça inicial, deve obrigatoriamente descrever a causa de pedir remota, ou seja, o fato histórico com base no qual formula a pretensão, sendo que a causa de pedir próxima vem a ser o tipo de provimento jurisdicional que o autor quer obter, inserido no contexto em que surge e se destaca o fundamento jurídico da pretensão. Na causa de pedir remota, sobreleva o fato, e na causa de pedir próxima, o direito. A união desses dois aspectos é que forma o núcleo da peça inicial, estando aí o que, na Literatura, chamar-se-ia de narrativa. Há, pois, uma narrativa no processo civil e é exatamente nesse ponto que se estabelece a relação entre o processo civil e a linguagem. Onde há narrativa, há linguagem com seus signos e significados.

Pois bem, TODOROV, que vinha da escola formalista russa, demonstra com base em um fragmento de PROUST (“Em Busca do Tempo Perdido”), que na narrativa há dois planos de enunciação: o da história e o do discurso e esses planos interligam-se na narrativa. Assim também sucede no processo civil. Com efeito, quando o autor descreve a causa de pedir remota, ele está a utilizar-se de uma narrativa no plano histórico, em que ele narra ao juiz o que ocorreu, como ocorreu e quando ocorreu. Esse discurso remete sempre a uma realidade exterior.

Quando o autor está a narrar a causa de pedir próxima, ou seja, quando ele explicita que provimento jurisdicional quer obter, o plano da enunciação altera-se sensivelmente. O autor passa ao plano do discurso. Mas que modificações surgem aí? TODOROV afirma que “A dosagem dos dois planos de enunciação determina o grau de opacidade da linguagem literária: todo  enunciado que pertence  ao discurso tem uma autonomia superior, pois toma toda a sua significação a partir de si mesmo, sem o intermediário de uma referência imaginária”. Tanto quanto sucede com o processo civil, em que a linguagem apresenta e revela a mesma opacidade.

A técnica empregada no processo civil tem por objetivo mesclar na narrativa  os dois planos de enunciação (histórico e discursivo), a tal ponto que o juiz seja levado a tomar o enunciado do discurso como  equivalente à realidade.  Quanto mais eficiente for a utilização dessa técnica, maior a probabilidade de o autor vencer a demanda.

Tudo a demonstrar a acentuada relação que existe entre o processo civil e a linguagem.

 

 

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