Que o processo civil como meio pelo qual o Estado exerce jurisdição, emitindo decisões e sentenças, reconhecendo ou negando direitos subjetivos dos litigantes, constitui, a par de sua função técnica, um instrumento de comunicação do Estado com seus cidadãos, não parece ser objeto de questionamento.

Propõe-se aqui a a considerar que, como instrumento de comunicação estatal, o processo civil emprega códigos, e que estes, como diz UMBERTO ECO, são “sistemas de expectativas válidos no mundo dos signos”. Assim sendo, o juiz, em suas decisões e sentenças, ou seja em sua linguagem emprega frequentemente códigos que lhe são fornecidos pela legislação, em especial pelo código de processo civil em vigor, reproduzindo esses códigos. É comum, com efeito, que o juiz repita expressões legais, como se dá com termos como “perigo de dano”, “probabilidade do direito”, o que de resto atende às expectativas das partes,  que se sentem tanto mais seguras quanto  o juiz reproduza os códigos legais.

Chegamos ao ponto de nosso interesse. Com efeito, como destaca UMBERTO ECO e a Semiologia comprova,  o universo dos signos é o universo das ideologias, as quais se refletem nos modos comunicativos pré-constituídos, o que, no caso do processo civil, acontece na linguagem que é a de um código de processo civil, formada por códigos. Pois bem, se o juiz frequentemente se limita a reproduzir os códigos  de que se utilizam os textos legais, qual a ideologia que está a prevalecer na decisão ou na sentença? A do juiz ou a do legislador?

Muitos juízes podem supor que seu espaço de liberdade de decisão é tão amplo a ponto de poderem tornar prevalecente no processo civil a sua ideologia – e não a do Estado, quando, em verdade, é a ideologia do legislador, refletida no texto legal como código e como signo que, reproduzida pelo juiz em suas decisões e sentenças, que ao final prevalece. Se assim é, a liberdade do juiz pode vir a ser uma mera quimera.

Nenhum código linguístico é neutro, e nenhuma norma legal também o é. Há por trás de todo código uma ideologia, e como observou MARX, “As ideias da classe dominante, em toda época, são as ideias dominantes … As ideias dominantes são as ideias das classes dominantes e não têm poder independente do poder desta classe”. 

Quiçá a partir de agora os operadores do Direito, sobretudo os juízes, comecem a se dar conta de que, ao reproduzirem códigos linguísticos, estão muitas vezes a adotar a ideologia do legislador, esse personagem tão presente no campo do Direito, mas que ninguém sabe ao certo quem seja … Tratar-se-á, quem sabe, do mesmo personagem “PUTOIS”, criado pelo genial escritor francês, ANATOLE FRANCE, de quem se falava cada qual à sua maneira, a ponto de existirem vários “PUTOIS”, embora ninguém nunca o tivesse visto. Mas de tanto dele se falar, ele passou a existir:

Putois estava batizado. Desde então ele passou a existir. A sra. Cornouiller foi-se embora rosnando: ‘Putois … Esse nome não me parece estranho. Putois? Putois! Conheço-o muito bem. Mas não me recordo … Onde mora ele?’ – ‘Ele vive de ganhos. Quando a gente precisa dele, manda-lhe recado a uma casa, a outra …’. ‘Ah! eu bem que estava pensando: um indolente, um vagabundo … um pobre-diabo. Desconfie dele, minha filhinha’.

Daí por diante, Putois tinha um caráter”. 

Estivesse ANATOLE FRANCE a falar do “legislador” em lugar de “PUTOIS”, e não perceberíamos qualquer diferença.

 

 

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here