CHIOVENDA estudara a forma como se desenvolvia o processo civil na Inglaterra e constatara que a oralidade, que o caracterizava, era o quid que tornava aquele processo mais eficaz, se comparado com o processo civil italiano. Para CHIOVENDA, a oralidade era um aspecto que a legislação do processo civil deveria prestigiar.

Óbvio que os tempos de CHIOVENDA (falecido em 1937) são outros, bem diversos dos nossos, em que uma sociedade de massa reclama celeridade em tudo, até no processo civil, e celeridade não se harmoniza com a oralidade. Tudo tem que ser rápido, e o processo civil escrito é mais rápido. Não é preciso que o juiz ouça os advogados. Basta que leia (ou que finja ter lido) para decidir. Mas o que se perde com o processo escrito?

A resposta não é dada pelos processualistas, mas por um filósofo: ROLAND BARTHES, que,  ao comparar a fala e a escrita, nos permite compreender no que o processo civil se transforma quando elimina a oralidade.

Diz BARTHES que a fala é sempre tática e está sempre exposta, mas quando a fala passa para a escrita, ela (a inocência) é apagada. O juiz, portanto, não consegue identificar a tática de quem escreve no processo. Quando escrevemos, afirma BARTHES,  “nós nos protegemos, nos vigiamos, censuramos, barramos as nossas bobagens, nossas suficiências (ou nossas insuficiências), nossas flutuações, nossas provas de ignorância (…)”, e isso evidentemente acontece no processo civil. Quando as partes e o juiz escrevem no processo (e não falam), a ingenuidade desaparece e entra em seu lugar uma preparação cuja finalidade é exatamente esconder aquilo que a ingenuidade revela.

No processo escrito, surge, pois, “um novo imaginário”, que, como observa BARTHES, é o do pensamento: “Onde quer que haja concorrência entre a fala e o escrito, escrever quer dizer de certo modo: eu penso melhor, com mais firmeza; penso menos para você, pensa mais para a “verdade”.

O outro, no processo civil escrito, está presente sob a figura do anônimo. Sim, o juiz e as partes tornam-se esse leitor anônimo, que fica “tributário da imagem de mim que quero passar ao público”, afirma BARTHES. Isso explica petições e sentenças prolixas, recheadas de citações despropositadas, feitas apenas com a intenção de mostrar erudição. O processo civil escrito torna-se assim um espaço de proposições, ou como diz BARTHES, de posições, termo, aliás, bastante azado quando se fala em processo civil, no contexto do qual estão as partes e o juiz, cada qual com sua posição processual.

Advogados e juízes mais antigos lembrar-se-ão certamente de como o processo civil era oral quando o Código de Processo Civil de 1973 ainda vigorava em sua feição original, sem, portanto, aquelas alterações que, a partir de meados da década de noventa, desnaturaram-no, implantando a figura do processo essencialmente escrito, desaconselhando que os juízes ouçam as partes, sequer em audiência, o que explica o número cada vez maior de demandas que são, com precipitação,  julgadas antecipadamente, sem que se tenha realizado  qualquer audiência, e sem que o juiz tenha tido qualquer contato com as partes e seus advogado. Julgam-se os escritos das partes, mais do que propriamente as suas alegações.

SARAMAGO enfatizava que se há distinguir pressa da precipitação.  Claro está que em algumas demandas a produção de prova em audiência será mesmo desnecessária, de modo que nesses processos as peças escritas serão mesmo de grande importância e com base exclusivamente nelas o juiz julgará.  Mas sempre haverá uma lide que exigirá a oralidade como indispensável requisito para um julgamento justo.

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