Na Semiologia, aprende-se que as palavras não têm um conteúdo neutro, não existindo portanto, palavra que não se revele como  um signo, e que não possua algum sentido a ser aprendido. Como diz GILLES DELEUZE, “Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. (…) Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou de hieróglifos”. (“Proust e os Signos).

Há sempre um significado que a palavra irradia como um signo a ser aprendido.

Inseridas em um texto, as palavras produzem sentido, seja aquele imposto por cada uma das palavras tomadas isoladamente, seja aquele sentido que surge em consequência de as palavras estarem reunidas em um texto. Donde se pode afirmar que,  suprimindo-se uma palavra, o texto suporta alguma modificação em seu sentido, modificação que pode ser maior ou menor conforme a importância do que se suprime. A supressão de uma parte do texto representa, pois, um signo que deve ser aprendido pelo intérprete. Assim também sucede no Direito, cuja linguagem é composta por palavras e signos.

Analisemos sob esse enfoque a supressão no artigo 355, inciso I, do CPC/2015 da parte inicial que formava o núcleo do enunciado do artigo 330, inciso I, do CPC/1973. A parte suprimida é esta: “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato”. Como toda palavra é dotada de um sentido, e como a sua supressão  acaba por produzir alguma modificação de sentido, gerando um novo signo,  é de se considerar a possibilidade de a norma do artigo 355, inciso I, do CPC/2015 não ter o mesmo sentido que tinha o artigo 330, inciso I. Mas que modificação em termos de significado terá ocorrido?

O CPC/2015, por seu artigo 355, inciso I, ao fixar que o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução do mérito, quando “não houver necessidade de produção de outras provas”, fez suprimir a  oração introdutória que constituía o núcleo da norma do inciso I do artigo 330 do CPC/2015,  tornando evidente  que o legislador não se preocupa mais com a natureza da “questão de mérito”, ou seja, com a  natureza da relação jurídico-material objeto da lide como condição para que ocorra o julgamento antecipado.

Se antes o núcleo da norma do artigo 330, inciso I, radicava diretamente na natureza da “questão de mérito”, erigida assim como a principal condição para que houvesse o julgamento antecipado, uma condição necessária, mas não suficiente, visto que uma outra condição era imposta por aquela mesma norma – a de que não houvesse necessidade de se produzir prova em audiência -, no CPC/2015, suprimida aquela primeira condição,  o núcleo modificou-se, porque há um novo signo que desafia o processualista e o operador do direito.

Com a supressão daquela condição que era nuclear na norma do CPC/1973, o legislador do CPC/2015 desvinculou a aferição da necessidade da produção de provas à natureza da relação jurídico-material objeto da lide, o que significa dizer que o poder do juiz foi aumentado, na medida em que lhe cabe apenas examinar se não há ou a necessidade de provas,  sem que se lhe exija considerar a natureza da relação jurídico-material.

Portanto, se ao tempo em que esteve em vigor o artigo 330, inciso I, do CPC/1973, o juiz, para  julgar antecipadamente o mérito de uma lide, deveria analisar tanto a natureza da relação jurídico-material quanto a necessidade de, acerca dessa mesma relação, produzirem-se ou não provas, diante do artigo 355, inciso I, do CPC/2015 exige-se-lhe examine apenas  se há ou não a necessidade de se produzirem provas, independentemente da natureza da relação jurídico-material objeto da lide.

Poder-se-ia argumentar que a aferição da necessidade de provas é feita sempre com base na relação jurídico-material objeto da lide.  Mas também se deve levar em conta que é  a natureza específica de uma relação jurídico-material que determina deva ou não haver a produção de provas, ou o julgamento antecipado, e não o contrário, o que, sob o aspecto da lógica-formal (mas não apenas em função desse aspecto),  justifica que o artigo 330, inciso I, do CPC/1973 tivesse previsto como condição nuclear e prévia a análise da natureza da relação jurídico-material.

Para além do aspecto lógico-formal, a norma do artigo 330, inciso I, do CPC/2015 impunha ao juiz, como um signo, o sentido que o obrigava a partir sempre de um exame detalhado da relação jurídico-material,  como condição necessária para analisar se o julgamento antecipado da lide podia ou não ocorrer. Esse signo foi modificado no CPC/2015.

 

 

 

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