Falamos do processo civil e de sua relação com o Realismo Mágico. Falemos agora da linguagem no processo civil e de sua relação com a verdade, utilizando do que o genial SARTRE disse na obra dedicada a uma de suas paixões – Baudelaire:
“(…) mentimos, mistificamos, enganamos: todo tempo, todo mundo. Mas essa é outra questão: a mistificação dos adultos remete à alienação; quando inventam suas mentiras, não têm outra preocupação que a de manterem-se o mais próximos da Verdade; os mais hábeis mentirosos fazem com ela pequenas sanguessugas imperceptíveis que colam sobre a pele de uma verdade reconhecida. Em outras palavras, enganamos por meio da linguagem – e, claro, alguns se deixam enganar, outros não -, mas a linguagem em si mesmo não é enganadora; não que ela não esconda labirintos, armadilhas, ou que muitas vezes não haja miragens no fim das palavras. Ela simplesmente não pode ser separada do mundo, dos outros e de nós mesmos (…)”. (O Idiota da Família, vol. 1).
A palavra “verdade” aparece dez vezes no texto do CPC/2015, uma vez a menos do que aparecia no CPC/1973. Embora o código atual tenha abandonado ou desprezado uma feição ética, como era a principal característica do código anterior, o número de vezes em que a palavra “verdade” é utilizada no CPC/2015 demonstra a importância que o legislador lhe dá, seja ao fixar os deveres-jurídicos legais impostos às partes e a todos aqueles que participam do processo civil (artigo 77, inciso I), seja quando trata dos requisitos formais da peça inicial (artigo 319, inciso VI), seja também quando obriga a todos a colaborarem para o descobrimento da verdade (artigo 378), para também sublinhar que a verdade dos fatos, estabelecida como tal na sentença, não faz coisa julgada (artigo 504, inciso II).
Quiçá estivesse o nosso legislador atento à lição de SARTRE, quando enfatiza que é pela linguagem (jurídica) que podemos enganar.