1 – Atingida por uma crise sem precedentes, perdendo um número expressivos de leitores a cada dia, a imprensa escrita brasileira sofre de uma crise de qualidade. Se é verdade que na guerra a primeira vítima é a verdade, na crise econômica que assolam os jornais brasileiros, a primeira vítima é a qualidade da informação.

Mas vez por outra aparece em nossos jornais um texto de acentuada qualidade. É o que ocorre com o texto escrito por FERNANDO REINACH, biólogo e autor de várias obras em sua área de especialização. O texto tem o título “O Chile preocupa”, e foi publicado na edição de hoje de “O Estado de São Paulo”.

Em uma linguagem clara, fugindo a um padrão abstruso em que costumam escrever os cientistas, FERNANDO REINACH analisa detalhadamente a específica situação do Chile em face da pandemia, estabelecendo um quadro comparativo com outros países.

O Chile, com efeito, tem de se destacado, sobretudo entre os países da América Latina, por ser aquele em que a vacinação iniciou-se rapidamente, alcançando um impressionante número de pessoas vacinadas, superior até mesmo aos Estados Unidos e países da União Europeia. Há tempo o Chile atingiu o significativo número de 40% de pessoas vacinadas dentro do universo de sua população, o mesmo percentual que Estados Unidos e Inglaterra acabam de atingir. Diz REINACH, que o Chile é o país que vacinou mais rapidamente.

Donde o “leitmotiv” encontrado por REINACH para produzir seu brilhante texto, em que perscruta o que estaria a ocorrer, dado que o Chile, tendo atingido um número altamente expressivos de vacinados, suporta um número crescentes de mortes pela pandemia, número superior a países em que o percentual de vacinados é ínfimo.

Como excelente cientista que é, cujo maior predicado é a cautela, REINACH não crava nenhuma razão para explicar esse interessante fenômeno. Considera ele, pois, a possibilidade de que diferenças climáticas, a existência de novas cepas, ou ainda consequências de um açodado relaxamento de medidas de isolamento social, constituam fatores que poderiam explicar uma taxa tão diminuta de eficácia da vacina no caso do Chile.

Mas um outro fato que deve ser estudado, diz REINACH, diz respeito ao tipo de vacina que foi ministrado no Chile. E é exatamente nesse ponto que o artigo assume uma extrema importância, trazendo ao leitor números que podem explicar não apenas ao chilenos o que ocorre, mas em especial a nós brasileiros. Vejam os números citados por REINACH: na Inglaterra, duas são as vacinas ministradas, a da Pfizer e da AstraZeneca; na Alemanha, 80% das doses ou são da Pfizer ou da Moderna, e os 20% restantes são da AstraZeneca; nos Estados Unidos, as vacinas ou são da Pfizer ou da Moderna. E no Chile?

No Chile,  85% das doses ministradas são da Coronavac, e 15% da Pfizer, o que indica a REINACH que “Uma possível explicação para as diferenças encontradas no Chile é a menor eficácia e eficiência da Coronavac. Talvez Coronavac seja capaz de reduzir internações e mortes, mas não consiga impedir completamente a propagação do vírus”. 

Com textos com essa qualidade de informação e bem escritos, é possível supor que os jornais voltem a ter a credibilidade que já tiveram um dia no Brasil, bastando apostem na qualidade da informação, e dando a ela a primazia, o que, aliás, não ocorre no que diz respeito ao texto de REINACH, escondido lá pela página 24 de o “Estado de São Paulo”, quando deveria formar o título de capa.

2 – Há um enfoque, contudo, que REINACH não aborda em seu texto, e que pode explicar o que os números de REINACH  revelam. Há certamente muitos países pobres no mundo (e o Chile é um deles), mas não há nenhum em que exista uma Constituição como a nossa, que por seu artigo 196 garante a todos o acesso a medicamentos e tratamentos indispensáveis ao tratamento de saúde, custeados pelo Estado. O que isso quer dizer? Que os governos e os políticos calculam quanto terão que gastar com as vacinas, e quanto terão que gastar com aquelas mais eficientes e mais caras, o que constitui muitas vezes o critério (econômico) decisivo na escolha da vacina a ser ministrada. Dar vacina a toda a população é importante, sem dúvida, mas mais importante é dar a melhor vacina dentre aquelas existentes, ainda que sejam as mais caras.

Quiçá governos negacionistas não sejam tão negacionistas assim …

 

 

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