Que a linguagem do Direito positivo constitui um instrumento de poder das classes dominantes (que são aquelas que fazem os legisladores, mesmo que esses tenham sido “eleitos” pelo povo), não há duvidar. Donde  se pode explicar existam em textos legais expressões tão abertas e tão indeterminadas como a do “princípio da boa fé”, que aparece três vezes em nosso código de processo civil de 2015. Assim:

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

“Art. 322, § 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”.

“Art. 489, § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Ou quando o mesmo código diz em seu artigo 8o. que: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. 

São conceitos tão vagos e vazios, genéricos e abstratos que, a rigor podem ser aplicados a tudo, e nada se lhes pode escapar, para o bem e para o mal. A ponto que um juiz poderia, seguindo o exemplo da ficção de SARAMAGO em seu livro “Manual da Pintura e da Caligrafia”, em que um pintor faz escondido um segundo quadro, além daquele que produz por encomenda, expressando na segunda tela o que acredita ser a verdade do retratado – seguindo, pois, o juiz esse exemplo poderia escrever, para cada caso que lhe coube julgar, duas sentenças, em ambas aplicando os conceitos de boa fé, dignidade, e outros que estão no código de processo civil de 2015, sendo que não poderia repetir na segunda sentença a interpretação que deu na primeira, publicando apenas uma das sentenças, e guardando em arquivo a outra. Depois de algum tempo, quando houvesse alguma modificação na estrutura de poder,  perceberia que os conceitos que usou na segunda sentença são agora aqueles que se adotam.

Por isso é que não há nada melhor e mais eficiente como instrumento de poder – e de domínio do que a linguagem do direito positivo.

 

 

 

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