O Código de Processo Penal traz, em seu artigo 254, um rol de hipóteses em que se configura a suspeição do juiz. Segundo a jurisprudência dominante, esse rol é meramente exemplificativo, o que significa dizer que outras hipóteses, além dessas, podem caracterizar a suspeição do juiz. Uma dessas hipóteses vem da aplicação subsidiária do artigo 145, inciso IV, do Código de Processo Civil. Assim,  quando há interesse do juiz em favor de qualquer das partes, há suspeição, por aplicação de regra do Código de Processo Civil.

No julgamento de ontem no STF, reconheceu-se a suspeição do juiz que conduzia os principais processos inseridos na operação “Lava Jato”, por ter entendido a corte suprema que o juiz demonstrou ter interesse direto no julgamento, atuando em favor do MINISTÉRIO PÚBLICO e contra a posição jurídica do réu, colocado este, portanto, em virtude da suspeição do juiz, em uma situação de evidente desequilíbrio e desvantagem nos processos em questão.

Quais as consequências que decorrem do reconhecimento da suspeição? São várias, e uma delas nos interessa aqui, porque ela sobre-excede o campo da Justiça.

Declarada a suspeição do juiz, todos seus atos e julgamentos são nulos, e devem ser refeitos por outro juiz. Assim, se proferiu sentença, como sucedeu no caso, esse ato é nulo e deverá ser refeito por outro juiz, que conduzirá o processo desde seu início.

O juiz, que não se deu por suspeito, mas cuja suspeição foi reconhecida pelo tribunal, como no caso em questão, deve ser condenado a pagar as custas do processo, e além pode ser demandado, na esfera cível, por danos causados contra o réu no e pelo processo penal.

Todas essas consequências dizem respeito e ocorrem no âmbito da Justiça. Mas há uma consequência que se torna importante no caso em questão, porque ela diz respeito a outros valores, tão importantes quanto os da Justiça: são os valores da Democracia e do Estado de Direito, expressamente garantidos pela Constituição de 1988.

Com efeito, declarada a suspeição do juiz por se ter reconhecido que havia interesse seu no julgamento em favor de uma das partes, é de se perscrutar os seguintes aspectos que envolvem o caso: qual a origem desse interesse; que  relações pessoais envolveram o juiz tão sensivelmente a ponto de lhe gerar um interesse tão profundo e direto em favor do Ministério Público e contra o réu; qual o móvel, ou seja, a intenção do juiz que pode estar por detrás desse interesse; que resultados efetivos o interesse do juiz no processo almejava produzir e alcançar fora do processo; como parte da estrutura da Justiça Federal pôde ser utilizada, direta ou indiretamente,  como instrumento da suspeição e de seus  objetivos.

São questões cujo perscrutar é exigido pelo interesse público, seja porque se tratava de  investigação criminal sobre um ex-presidente da República, seja em especial por força das circunstâncias nada comuns que envolveram a atuação do juiz, tornadas  essas circunstâncias mais singulares pelo fato de ter ele, logo após a eleição presidencial, pedindo exoneração da magistratura, ser nomeado ministro pelo presidente eleito, pouco tempo depois, portanto, de ter deixado de atuar nos processos, os quais estavam já em grau de recurso.

Friso que se trata de uma consequência que envolve a suspeição no processo penal, mas que produzirá efeitos fora do processo (penal ou civil), dado que, em se tratando de uma matéria que é interesse público, é a nossa Democracia, é o nosso Estado de Direito que reclamam uma investigação completa sobre questões subjacentes à suspeição do magistrado naqueles rumorosos processos.

E como se trata de um tema que desborda a questão exclusivamente jurídica, alcançando a esfera política e a político-institucional,  a investigação deve ficar a cargo do Congresso Nacional, cabendo-lhe, pois, instaurar uma comissão parlamentar de inquérito, com a participação efetiva de importantes entidades, como, por exemplo, a OAB.

A sociedade tem o direito de conhecer, em detalhes e com minúcias, tudo o que se refere ao episódio da suspeição, porque se trata de um relevante fato que não pode ficar circunscrito ao âmbito da Justiça.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here