Esta semana a imprensa brasileira destacou a absolvição do ex-primeiro ministro de Portugal, envolvido em processos similares àqueles que, no Brasil, integram o que se denominou de “operação lava jato”. A repercussão na imprensa brasileira da absolvição do político português deve-se a esse aspecto.
Mas não se divulgou aqui uma interessante questão jurídica que está a ser debatida neste momento em Portugal e que se refere à fundamentação jurídica da absolvição do ex-primeiro ministro.
É que o juiz que proferiu a sentença de absolvição considerou que o ex-primeiro ministro não praticou crimes de fraude fiscal porque os rendimentos não declarados ao Fisco português eram produto de crimes, afirmando-se na sentença que, no ordenamento jurídico em vigor em Portugal, “inexiste qualquer norma legal no nosso ordenamento jurídico que imponha a um cidadão a obrigação de declarar, em sede de IRS, os proventos obtidos com o cometimento de um crime”.
Sucede, contudo, que o artigo 10 da Lei Geral Tributária (a qual equivale ao nosso Código Tributário) prevê que: “O carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”.
Compare o leitor esse artigo com o artigo 4o. do nosso CTN, que tem a seguinte redação:
“Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II – a destinação legal do produto da sua arrecadação”.
Destarte, no Brasil há hoje uma posição jurisprudencial algo consolidada no sentido de que, para efeito de incidência do fato gerador de um tributo, é irrelevante qual a atividade que fez surgir o rendimento, se lícita, ilícita ou ilegal, porque, segundo o artigo 4o. do CTN, é irrelevante o que deu origem aos rendimentos, que devem assim ser declarados sob pena de se configurar o crime de fraude fiscal.