Constitui o parágrafo 2o. do artigo 85 seu núcleo essencial: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (…)”. Fonte, pois, de quase todas as divergências que vêm sendo suscitadas acerca do extenso artigo 85, formado por infindáveis dezenove parágrafos. (Isto porque o legislador do CPC/2015, segundo a “Exposição de Motivos”, quis fortalecer o valor da segurança jurídica.)
O parágrafo 2o. do artigo 85 é o resultado de uma confusa amalgama do conteúdo dos parágrafos 3o. e 4o. do artigo 20 do CPC/1973, o que é suficiente para se poder afirmar que seu texto (o do parágrafo 2o. do artigo 85) não trouxe nenhuma significativa melhoria em termos de precisão e objetividade da norma, sobretudo se acrescermos a esse contexto o parágrafo 8o. do artigo 85, que se refere àquelas hipóteses em que o proveito econômico envolvido no processo não tenha um valor quantificável ou se revele irrisório, ou ainda quando o valor da causa for muito baixo.
O primeiro grande problema que a abstrusa redação dada ao parágrafo 2o. do artigo 85 decorre de ter introduzido em nossa legislação processual civil o termo “proveito econômico”, sem contudo formar seu conteúdo, ou sem ao menos trazer elementos mínimos que permitam ao juiz, com certa objetividade, fixá-lo. E para agravar essa dificuldade, ao tratar do valor da causa, o artigo 292, parágrafo 3o., do CPC/2015 estabelece uma distinção entre “proveito econômico” e “conteúdo patrimonial em discussão”, de modo que deixa o juiz sem saber se proveito econômico equivale ao que é discutido na demanda, ou se o supera, dada a distinção que deva ser feita em relação ao conceito de “conteúdo patrimonial em discussão”. O mesmo vale dizer quando se considera o artigo 700, parágrafo 2o., do mesmo CPC/2015, que, ao cuidar da ação monitória, refere-se a “o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”, ensejando séria dúvida sobre o que, de fato, significa e deva significar “proveito econômico”.
Melhor seria, por óbvio, que o artigo 85 explicitasse o que é de ser entendido por “proveito econômico”, porque esse conceito é fundamental para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado.
Destarte, a opção do legislador de criar um conceito indeterminado, deixando a critério do juiz determinar e quantificar o que entende por “proveito econômico” para fim de fixação dos honorários de advogado, além de não haver uma adequada razão que justificasse essa abertura tão extensa na norma, trouxe um problema que não tinha no CPC/1973 a dimensão que passou a ter no novo código. É que o terreno dos honorários de advogado tem sido entre nós um foco de renhidas controvérsias entre juízes e advogados. Estes reclamando de valores que são fixados em valores mui aquém do que envolve a demanda em termos de importância econômica e de relevância jurídica. Os juízes, por sua vez, entendendo que a lei lhes deu o papel de um árbitro com muitos poderes para quantificar os honorários de advogado, em função do que acabam por comparar seus vencimentos e de outros profissionais com os honorários de advogado, estabelecendo critérios que não guardam nenhuma relação lógica.
Há, como pano de fundo, nas controvérsias quanto aos honorários de advogado, componentes que interferem em grande medida, mas que são extrajurídicos, e que poderiam ser melhor explicados ou compreendidos no âmbito da Psicologia e da Sociologia, porque dizem respeito a idiossincrasias do ser humano e aos papeis que exercem no campo profissional, em que se caracteriza uma imanente relação de competitividade.
Indispensável seria que, em tendo o CPC/2015 considerado o “proveito econômico” de uma demanda como o mais importante critério para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado, que então fixasse o conteúdo desse conceito, tanto mais porque lhe era sabido que, no regime do CPC/1973, havia uma série de consistentes questionamentos nessa matéria. Se o objetivo do CPC/2015 era o de trazer segurança jurídica, falhou o legislador ao fazer indeterminado o conceito de “proveito econômico”, trazendo novas discussões na jurisprudência, além daquelas que existiam ao tempo em que estivera em vigor o código de 1973.
Se formos à jurisprudência, por exemplo à do STJ, encontraremos uma série de julgados que se limitam a reproduzir a dicção legal, referindo-se, pois, a “proveito econômico”, sem, todavia, dizer o que por esse termo se deva entender. Confira-se:
“No caso concreto, as instâncias de origem avaliaram a prova dos autos para concluir que o valor atribuído à causa guarda correspondência com o possível proveito econômico pretendido pela parte. O acolhimento do pedido de redução da quantia estimada pelo autor encontra óbice na referida súmula. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no Recurso Especial nº 1.346.772/RJ (2012/0205667-7), 4ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
” (…) O acórdão a quo não destoa do entendimento desse sodalício, segundo o qual os honorários advocatícios podem ser arbitrados por apreciação equitativa nas demandas envolvendo medicamentos, haja vista que, nesses casos, não é possível mensurar, em geral, o proveito econômico obtido com a ação. (…)”. (AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.211.983/PE 2017/0314695-9), 1ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
Poder-se-ia dizer que todos os operadores do Direito sabem o que é “proveito econômico, mas não peçam a eles que o definam, tal como sucedeu com SANTO AGOSTINHO acerca da definição de “tempo , quando, em suas famosas “As Confissões”, diz: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”. De modo que, quando lerem uma sentença ou um acórdão, e em seu texto encontrarem a expressão “proveito econômico”, terão a certeza de que o juiz ou o desembargador ou o ministro sabem o que entendem e entenderam por tal, mas se abstenham de lhes perguntar por seu conteúdo, que eles nada saberão …
Esse é o principal problema que o CPC/2015 nos trouxe no campo dos honorários de advogado, introduzindo um termo “proveito econômico”, que sobre não ser de nossa tradição no campo do direito positivo, tornou-se tão indeterminado a ponto de ninguém poder dizer, com segurança, em que ele consiste, sobretudo naquelas ações para as quais o tipo de provimento jurisdicional emitido que pode ser emitido é meramente declaratório, constitutivo ou mandamental.
Pois que está exatamente na indefinição do termo “proveito econômico” a fonte de todas as controvérsias que se instalam em nossa jurisprudência, quando em questão a fixação de honorários de advogado.