Comparemos dois episódios que apresentam entre si características que os tornam semelhantes, mas não quanto às consequências.
No Brasil, nesta semana, um ex-comandante do Exército publicou seu livro de memórias, narrando, com expressiva e insólita franqueza, o papel que militares tiveram em 2018, quando o STF estava prestes a julgar um habeas corpus pedido pelo ex-presidente LULA. A pressão imposta ao STF para que negasse o pedido ao habeas corpus aparece no livro como se o fato fosse de somenos, ou habitual em nossa “democracia”. A imprensa pouca atenção deu ao livro, e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL sequer considera a possibilidade de instaurar um processo para apuração das circunstâncias desse gravíssimo fato, que diz respeito à interferência direta do Exército sobre a nossa alta corte de Justiça.
Nos Estados Unidos, o ex-presidente TRUMP tentou, timidamente, manter-se como presidente, recusando-se a princípio a aceitar o resultado das eleições e incentivando seus eleitores que também não o aceitassem. O “golpe”, ideado por TRUMP, no final não passou de um “tiro de espoleta”. Mesmo assim, instaurou-se contra TRUMP um processo de impeachment, que pode determinar a perda de seus direitos políticos.
Comparando os dois episódios, vemos que em ambos há o claro interesse de manipulação de instituições, o que constitui fato grave em uma democracia. Mas se olharmos bem há uma importante diferença entre os casos, porque nos Estados Unidos ninguém levou a sério as bravatas de TRUMP, tanto assim que não houve nunca nenhum sério receio de que a democracia norte-americana estivesse em risco, como confirma o fato de o presidente BIDEN ter assumido em clima de acentuada normalidade. Mas no Brasil o episódio envolvendo o ex-comandante do Exército colocou em risco direto a nossa democracia, por se tratar de uma tentativa direta de interferência em nosso STF, não se podendo apurar, com segurança, se essa interferência produziu ou não resultados concretos, lembrando-se que o STF negou o pedido ao habeas-corpus.
Nos Estados Unidos, qualquer ato que tenda (e basta tender) ao enfraquecimento dos valores e princípios democráticos é suficiente para que o agente seja processado, e processado por infração grave. No Brasil, atos desse mesmo jaez, e muito mais graves, tornam-se apenas memórias de livros. (Memórias para um país desmemoriado.)