Cabe à família decidir soberanamente se seus filhos devem ou não presencialmente frequentar as aulas, ou, determinado pelo Estado que as aulas ocorram dessa forma, os pais não teriam senão que obedecer a ordem estatal?

E os professores e demais servidores da escola, teriam eles também o direito de recusa a retornar ao trabalho presencial?

São relevantes temas que surgem no contexto da problemática jurídica que envolve o retorno das aulas presenciais, dada a decisão de diversos Estados e Municípios em determinar que assim suceda.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.634, regulando o que forma o poder familiar e como ele pode ser exercido, estabelece que a ambos os pais compete o exercício do poder familiar, prevendo uma série de hipóteses genéricas em que o exercício ocorrerá, por exemplo, quando os pais dirigem a educação de seus filhos, o que, em tese, concederia aos pais o poder de decidir se lhes parece ou não seguro permitir que seus filhos frequentem presencialmente as aulas durante a pandemia.

Mas há que se considerar que as normas do Código Civil submetem-se à Constituição, o que significa dizer que, se há uma norma constitucional que contraste com uma norma do Código Civil, a norma constitucional prevalece. Destarte, como o artigo 205 da Constituição de 1988 fixa como um dever do Estado e também da família o de implementar o necessário a que o ensino seja ministrado, daí decorre que os pais não poderiam deixar de cumprir esse dever, sobretudo quando há uma ordem estatal determinando o retorno das aulas presenciais. Mas os pais poderiam argumentar que não vivemos tempos normais e que a pandemia e o risco de contágio a seus filhos poderiam justificar a escusa e o descumprimento à norma estatal. Essa é uma argumentação válida, mas tanto quanto a do Estado que, amparado em protocolos clínicos, está a garantir a salubridade  e segurança no ambiente escolar. De modo que, surgindo conflito entre o exercício do poder familiar e o Estado, a questão deve ser resolvida pelo Poder Judiciário.

E pode suceder também que um pai queira autorizar o filho, enquanto outro não, surgindo um conflito quanto ao exercício do poder familiar, hipótese que o Código Civil por seu artigo 1.631, parágrafo único, previu, determinando que o Poder Judiciário solucione o conflito, caso algum dos pais busque a tutela jurisdicional.

Tudo para dizer que não se pode afastar o controle jurisdicional em uma matéria que, em essência, diz respeito e envolve direitos fundamentais, como são os direitos à saúde e a educação. O Estado não tem a última palavra, como também não o têm os pais, de maneira que se há conflito, compete exclusivamente ao Poder Judiciário decidi-lo.

A outra questão – a que se refere aos professores e servidores da escola – tem a mesma solução. Com efeito, os professores e demais servidores da escola, ao sentirem temorosos em retornar ao ambiente escolar, com o risco de que possam ser contaminados pelo “Covid”, podem se recusar a retornar às salas de aula. Mas se o Estado os obriga a isso? Então, surgindo aí um conflito, a sua solução é de ser dada apenas pelo Poder Judiciário, que certamente aplicará o princípio da proporcionalidade, adequada forma de controle jurisdicional quando se têm dois ou mais direitos em colisão, como no caso, em que de um lado estão os professores e servidores a invocar o direito à saúde, e doutro o Estado, a zelar pelo direito à educação.

Quando se quer afastar o Poder Judiciário de decidir sobre direitos fundamentais, o Estado de Direito e a Democracia devem gritar.

 

 

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