Um medicamento possui, por óbvio, sua eficácia, que pode não coincidir com a mesma eficácia obtida por outros medicamentos utilizados para o tratamento da mesma doença. Insulinas, por exemplo, têm uma variação de eficácia acentuada conforme o tipo empregado pelo paciente. E não é surpresa que exista uma relação direta entre maior ou menor eficácia de um medicamento e seu preço.

Com as vacinas, ocorre essa mesma relação entre eficácia e preço.

Se há uma área em que a desigualdade socioeconômica produz efeitos os mais trágicos, é o da saúde pública. Pacientes pobres têm acesso, quando têm acesso, a medicamentos mais baratos que lhe são fornecidos pelo sistema de saúde pública, medicamentos que, por serem mais baratos, quase sempre não alcançam o mesmo nível de eficácia terapêutica de outros medicamentos, mais caros. Isso explica que o sistema único de saúde resista o quanto pode a fornecer remédios caros, só o fazendo quando cumpre decisão judicial, e isso depois de muita luta.

Daí podemos supor desde já o que vai ocorrer quando a ANVISA tiver aprovado aquelas vacinas para a “Covid” que países como a Organização Mundial de Saúde, os Estados Unidos e a Inglaterra já aprovaram, vacinas que, segundo os estudos científicos, têm alcançado eficácia superior a 95%: uma busca inaudita pela tutela jurisdicional, para obrigar o Poder Público a fornecer uma vacina mais eficaz, dado que aquelas vacinas apresentam, ao menos por ora, uma eficácia muito superior a obtida por outras vacinas, como a produzida por um laboratório chinês em parceria com um órgão de pesquisa de São Paulo. (Segundo os estudos mais recentes, a eficácia dessa vacina não chegaria sequer a 80%.)

Também se pode supor que, em um país como o nosso, em que o capitalismo prospera forte e sem resistência, que hospitais e clínicas particulares venham a ser autorizados a comercializarem aquelas vacinas mais eficazes, enquanto o paciente do SUS terá, quando tiver, acesso a uma vacina cuja eficácia é muito menor do que de outras vacinas.

Caberá ao Poder Judiciário ponderar se será  justo ou não aumentar a desigualdade social, permitindo que os mais ricos e favorecidos tenham acesso a vacinas mais eficazes, ao mesmo tempo em que autorize judicialmente que o Poder Público forneça uma vacina que terá uma carga de eficácia muito menor. Afirmo que esse será o mais importante tema  de nossa nova república, instaurada com a Constituição de 1988.

Um conhecido político confessou  certa feita que fora um equívoco permitir que o artigo 196 da Constituição de 1988 entrasse para o texto da Constituição, dado que o dinheiro público seria gasto em demasia com os medicamentos dos pobres. Este momento da pandemia constitui sem dúvida um oportuno momento para que a classe política diga o que pensa a respeito.

 

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