Em um país distante, um sábio havia profetizado que os cientistas encontrariam uma vacina que curaria uma grave doença que estava colocando em sério risco a saúde dos habitantes daquele país. Isso efetivamente abriu o caminho para a descoberta da vacina.  E assim os cientistas, incentivados pela profecia, depois de longo estudo e experimentações, encontraram uma fórmula que em breve se transformaria em uma vacina que poderia ser eficiente.

Sucede, entretanto, que não era possível, por várias razões,  produzir em larga escala a vacina, e isso gerou na sociedade uma acirrada disputa quanto a quem viria  receber a vacina com prioridade. Cada grupo buscava encontrar razões que pudessem justificar a preferência. A classe política, por exemplo, elencava razões que iam do fato de de serem eles, os políticos,  quem haviam autorizado os cientistas na pesquisa da vacina, até ao prosaico fato de que seriam poucos em número. Outras classes sociais poderosas, como os empresários,  integrantes do ministério público, cada uma dessas classes apontava suas razões, de modo que em pouco tempo não havia nenhuma classe social poderosa que não tivesse razões para reivindicar a preferência.

Mas algo se destacava no meio daquela disputa: não havia nenhuma classe  que, publicamente, admitisse pleitear a prioridade em receber a vacina. Os políticos, por exemplo, negavam sempre que podiam,  e outros grupos, embora tudo fizessem em segredo para que pudessem receber a vacina, diziam em público sempre o contrário, o que, contudo, não impediu que o segredo se tornasse conhecido do povo, expondo as classes dominantes a um inaudito conhecimento de sua engrenagem, com efeitos que depois se mostrariam potencialmente perigosos para esses grupos, cujo poder somente pode existir enquanto segredo houver acerca de seus interesses corporativistas.

O fato é que depois de um tempo a vacina não se mostrou tão eficiente quanto se havia profetizado, e além a disso a doença naturalmente  tornara-se menos perigosa, de modo que o interesse  pela vacina diminuiu sensivelmente, e a vacina foi praticamente esquecida.

Mas o episódio foi importante na história daquele país, porque as classes dominantes acabaram se expondo mais do que queriam e, com as fraturas expostas e decorrentes das disputas entre seus integrantes, a sociedade começou a conhecer da engrenagem dessas classes dominantes, reduzindo-lhes o poder, como é natural ocorra quando se tornam públicos determinados interesses que somente  existem enquanto estão afastados da luz da publicidade.

Hoje, passado tanto tempo daquele episódio, quando se pergunta a algum habitante daquele país se ele se recorda da vacina, a resposta é quase sempre a mesma: da vacina não, mas do que as disputas entre as classes poderosas haviam revelado para a sociedade e que efeitos isso gerou, a lembrança é sempre bastante precisa.

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