O STF julgará nos próximos dias se o Estado-membro pode, ainda que na ausência de lei complementar de caráter nacional, legislar acerca do ITCMD, fazendo-o incidir sobre operação de doação realizada por doador que está domiciliado ou mantém residência no exterior.
Em 2015, proferi sentença sobre esse tema, e a reproduzo aqui para que o leitor possa ter conhecimento de alguns importantes aspectos que estarão sob análise no STF. (A sentença também será publicada no site www.escritosjuridicos.com.br).
Vistos.
Sob o fundamento de que não havendo ainda lei complementar que preveja a incidência do ITCMD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, exigida pelo artigo 155, parágrafo 1o, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República de 1988, não pode o Estado-membro criar esse tributo, impetrou (…), qualificada a folha 1, este mandado de segurança contra ato emanado da senhora PROCURADORA-CHEFE da área do contencioso fiscal, da PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, com o objetivo de que seja declarada a inexistência de relação jurídico-tributária, para desobrigá-la de suportar a exação, consubstanciada no auto de infração de número 4032382, que considerou como fator gerador do ITCMD o recebimento pela impetrante, por doação, de importância doada por quem está domiciliado no estrangeiro.
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 17/69, complementada as folhas 74/77.
Medida liminar concedida (folha 79); não se registra a interposição de recurso.
Notificada, prestou informações a Autoridade impetrada, arguindo a inadequação do mandado de segurança e, quanto ao mérito da pretensão, defendendo a validez da exação, prevista no artigo 4o. da Lei Estadual – SP de número 10.705/2000, por se reconhecer a competência normativa do Estado-membro para criar tributo que esteja previsto na Constituição da República de 1988, caso do ITCMD, ainda que na ausência de lei complementar. Invocou a Autoridade impetrada, pois, o poder normativo que está previsto no artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais transitórias (folhas 85/94).
Declinou de intervir o MINISTÉRIO PÚBLICO (folha 98).
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Discute-se neste mandado de segurança se o Estado-membro pode, ainda que na ausência de lei complementar de caráter nacional, legislar acerca do ITCMD, fazendo-o incidir sobre operação de doação realizada por doador que está domiciliado ou mantém residência no exterior.
Da impetrante, com efeito, está a se exigir o pagamento desse tributo, conforme manifestação de vontade do Fisco do Estado de São Paulo veiculada no auto de infração que contra a impetrante aplicou. Esta impetração busca invalidar esse auto, de modo que não está a impetrante a discutir lei em abstrato.
Quanto ao mérito da pretensão.
Em nosso Ordenamento Jurídico em vigor, fixado a partir da Constituição de 1988, os tributos são criados apenas por norma constitucional, de modo que os entes públicos somente podem instituí-los se houver a previsão constitucional, e se essa previsão constitucional também lhe conferir competência normativa tributária. A dizer: é a Constituição que cria os tributos, e os entes públicos apenas os instituem, segundo os limites da competência tributária que a Constituição estabelece.
A Constituição da República de 1988 previu que os Estados-membros podem instituir impostos que incidam sobre a transmissão “causa mortis” e doação, de quaisquer bens e direitos (artigo 155, inciso I), com o que, criando esse imposto, permitiu que os Estados-membros o façam instituir, segundo sua competência. Competência tributária que é, assim, fixada pela Constituição, que pode conceder ao Estado-membro o poder de instituir um tributo, mas ressalvando alguma situação excepcional, para em relação a ela exigir a edição de lei complementar de caráter nacional.
Como ocorre na hipótese de a doação de bens e direitos realizada por doador que tenha residência ou domicílio no exterior. Nesse caso, lei complementar de caráter nacional definirá a competência para instituí-lo, conforme exige a Constituição da República de 1988 em seu artigo 155, parágrafo 1o., inciso III, alínea “a”.
De modo que os Estados-membros não podem estender sua competência normativa no regime do ITCMD, enquanto não for editada lei complementar de caráter nacional que defina a competência para a instituição do ITCMD sobre operação de doação de bens e direitos de doador domiciliado ou residente no estrangeiro.
De relevo considerar que como se trata de doação que se realiza no estrangeiro, produzindo efeitos em território nacional com a aceitação do donatário, e diante da possibilidade de conflito de competência entre os Estados-membros, pareceu ao Legislador constitucional mais conveniente fixar por lei complementar de caráter nacional os critérios de competência, evitando esses conflitos, ou os solucionando por critérios racionais. De resto, é papel reservado à lei complementar de caráter nacional a fixação de critérios relacionados à competência tributária em matéria tributária, segundo o que prevê o artigo 146 da Constituição da República de 1988.
Por fim, há que se observar que o artigo 34, parágrafo 3o., do Ato das Disposições Constitucionais transitórias conferiu apenas o poder de editar as leis tributárias “necessárias à aplicação do sistema tributário nacional”, respeitando-se, obviamente, os limites de competência normativa que a mesma Constituição previu.
POSTO ISSO, reconhecido como caracterizado o direito subjetivo invocado pela impetrante, (…) e ratificando a medida liminar, CONCEDO a ordem de segurança, declarando a inexistência de relação jurídico-tributária, para desobrigá-la de suportar o ITCMD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e de Direitos, relativamente à operação de doação de dinheiro recebida em 2008, declarando, por consequência, a invalidez do auto de infração de número 4032382, que lhe foi aplicado pelo Fisco do Estado de São Paulo. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO a reembolsar a impetrante do que esta despendeu a título de taxa judiciária e despesa processual, com atualização monetária desde o respectivo desembolso. Sem condenação em honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença, a ser submetida a reexame necessário.
São Paulo, em 13 de abril de 2015.
(10a. Vara da Fazenda Pública – São Paulo, Capital)