I.

Existem ramos do Direito que nasceram umbilicalmente ligados ao Direito Constitucional, caso, por exemplo, do Direito Processual Civil, de tal forma que não é possível dissociar um do outro, tanto assim que no caso do Direito Processual Civil visões metodológicas decorrentes de uma relação direta entre o processo e a constituição fizeram gerar um “Direito Processual Constitucional” e um “Direito Constitucional Processual”.

Mas há ramos que, historicamente, nasceram e se desenvolveram a uma distância considerável do Direito Constitucional. É o caso do Direito Civil, dada a sua feição de um direito essencialmente privado, moldado pela burguesia com a clara intenção de proteger a liberdade individual e afastar tanto quanto possível uma aproximação com o Estado.

Mas andando o tempo as relações jurídico-privadas, reguladas pelo Direito Civil, tornaram-se cada vez mais complexas, e em razão disso fizeram encurtar a distância com o Direito Constitucional. Assim é que as constituições passaram a regular institutos do Direito Civil, como a propriedade por exemplo, impondo-lhe uma função social. A liberdade individual, à luz do Direito Constitucional, recebeu, portanto,  um novo conteúdo, em que a relação com o aspecto social é sempre um dado a considerar.

Um dos primeiros civilistas a identificar o influxo decorrente da aproximação do Direito Civil ao Direito Constitucional foi o alemão, CLAUS-WILHELM CANARIS, que em sua conhecida obra, mais propriamente um ensaio,  “Direitos Fundamentais e Direito Privado”, retrata as dificuldades com as quais lidou quando tentou, em simpósios e conferências de professores do Direito Civil, em fazer uma aproximação do Direito Civil ao Direito Constitucional. A sua missão, como se vê, foi alcançada.

II

Analisemos, nesse contexto,  o que vem acontecendo com o direito de imagem, um direito nascido com inspiração acentuadamente individual, mas que com o tempo, em razão da aproximação e influxo do Direito Constitucional, passou a receber um tratamento jurídico-legal mais consentâneo com o interesse público.

Se remontarmos a uma jurisprudência mais antiga, verificaremos que o direito de imagem era reconhecido como um direito subjetivo abarcado no direito da personalidade, e como tal um direito absoluto. Bastava, pois, que se reproduzisse a imagem de alguém sem autorização, e o Código Civil encarregava-se de caracterizar o ato como ilícito, gerando o direito a uma reparação. Esse era o único aspecto considerado nos domínios do Direito Civil: não existir autorização pelo retratado em uma imagem fotográfica.

Com a aproximação do Direito Civil ao Direito Constitucional, um novo e importante componente integra-se na análise do direito de imagem, que não é mais encarado como um direito absoluto, pois que condicionado, como qualquer direito subjetivo, a exigências do interesse coletivo, ou, como nas palavras da nossa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,  aos fins sociais e a exigências do bem comum. Surge, assim, a necessidade de se ponderarem as circunstâncias do caso em concreto, para determinar se a reprodução da imagem de alguém sem autorização produziu algum dano considerável ou não.

É que o Direito brasileiro protege tanto o direito de imagem, quanto protege o autor de uma obra de arte, como a fotografia (Lei federal 9.610/1998), e o direito à informação, no caso em que a imagem seja utilizada em uma matéria jornalística, por exemplo.

Destarte, se antes bastava não existir a autorização do retratado em uma imagem fotográfica para que surgisse o direito à indenização, a aproximação do Direito Civil ao Direito Constitucional passou a exigir uma análise das circunstâncias do caso concreto, ponderadas conforme os interesses em conflito.

Essa técnica da ponderação está abarcada no conteúdo do princípio da proporcionalidade, que nascido nos domínios do Direito Penal, transposto logo em seguida para as relações de direito público entre o particular e o Estado, também se estende aos poucos para as relações jurídicas privadas, quando em meio a essas relações está a proteção à liberdade de um e de outro dos particulares envolvidos no conflito, liberdade que é essencialmente protegida e regulada pelo Direito Constitucional.

Se consultarmos a nossa jurisprudência mais recente, veremos a guinada que foi dada no tema do direito à imagem, agora ponderado em face de outros direitos com os quais esteja a colidir em um caso em concreto, exigindo do juiz que faça aplicar o princípio da proporcionalidade, cuja fonte é o Direito Constitucional.

III –

Entrou em vigor recentemente a Lei de Proteção de Dados, a Lei federal 13.709/2018, uma lei que busca regular e proteger a liberdade no que diz respeito ao “tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Parágrafo único”.

Trata-se, pois, de uma lei de direito público, mas que incide sobre o direito à imagem, como se vê de seu artigo 2o., inciso IV.

Comprova-se, assim, como o Direito Civil cada vez mais aproxima-se ao Direito Constitucional, exigindo uma ponderação entre os interesses em conflito. É o que deverá suceder quando se estiver a aplicar a novel Lei Proteção de Dados em face de conflitos que envolvam o direito de imagem e direitos como os do autor da obra de arte e o de informação.

Mas há que se ter cuidado, porque diversos dispositivos inseridos nessa Lei, se mal aplicados, podem fazer com que aquela distância entre o Direito Civil e o Direito Constitucional ressurja.

 

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