Tornou-se frequente em nossos tempos que a classe política afirme a existência de um fenômeno caracterizado pela judicialização da política, qualificando negativamente esse fenômeno. Mas o que dizer de um fenômeno inverso: o da politização do Poder Judiciário?
Refiro-me aqui apenas ao que envolve a escolha de um novo ministro ao STF, e não às decisões judiciais.
Há um provérbio bastante conhecido e utilizado em especial no contexto político que diz: “rei morto, rei posto”, empregado no sentido de que não pode haver vácuo no poder. Assim, morto um rei, outro deve sucedê-lo sem intervalo. No caso do novo ministro do STF, a “morte” foi antecipada no momento em que aquele que sai antecipou que sairia. E, imediatamente, iniciou-se a disputa pela vaga. “Rei morto, rei posto”.
E o que os jornais noticiam é que se estabeleceu uma intensa e acirrada corrida entre os “candidatos” à vaga, cada qual amparado e protegido por seus “padrinhos”, que são políticos, muitas vezes políticos profissionais, mas nem sempre profissionais no sentido de que ocupem cargo no Poder Legislativo. Poder haver dúvida de que há aí, na escolha do novo ministro do STF, um ambiente marcadamente político, rigorosamente igual àquele que há na convivência e coexistência dos políticos em seu habitat natural?
Como se trata de uma indicação derivada da competência exclusiva e discricionária do presidente da república, não se pode eliminar a politização dessa matéria. Mas qual o grau de politização aceitável na escolha do candidato ao STF? Qual o limite ético que deve nortear os compromissos que o escolhido pode firmar, sem comprometer a sua independência e o respeito à Constituição? Devendo a sabatina no Senado Federal atuar como um adequado mecanismo de filtro para depurar uma excessiva politização na escolha do candidato, com que instrumentos constitucionais ela deve operar? Como deve ser a participação da sociedade nessa matéria?
Assim, se é impossível eliminar a judicialização da política (basta, pois, que tenhamos uma constituição que regula a atuação da classe política, e teremos a judicialização), também o é a politização do Poder Judiciário, seja quanto a decisões judiciais (basta igualmente que tenhamos uma Constituição que protege direitos fundamentais, e teremos a politização nas decisões judiciais), seja também quanto à escolha de um novo ministro da Suprema Corte. A questão essencial é discutir os limites da coexistência entre política e justiça.