Os códigos de países civilizados como o nosso preveem que o juiz não possa julgar uma causa quando está ou é suspeito. Parece um truísmo dizer isso, mas a vida exige certos truísmos, porque o legislador talvez queira lembrar aos juízes que eles são seres humanos e nem sempre há justa razão para lhes depositar uma confiança absoluta. Donde se fazem necessárias as regras, como a que prevê a suspeição.
De modo que o nosso código de processo civil em vigor prevê, em seu artigo 145, que o juiz não possa julgar uma causa quando for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados, ou quando tiver aconselhado a alguma das partes acerca do objeto da demanda.
Até aqui, dirá o leitor que não há nada que o surpreenda, porque um juiz que for amigo do autor ou do réu não pode evidentemente julgar a demanda, e deve se declarar suspeito.
Mas o que muito provavelmente surpreenderá o leitor, especialmente aquele não diretamente ligado aos negócios da justiça, é que a nossa jurisprudência entende que o juiz não pode ser obrigado a declarar o motivo de sua suspeição. Basta, pois, que o juiz diga: sou suspeito, e ponto final. E ninguém saberá o motivo da suspeição.
Alguém argumentará que o juiz, como qualquer ser humano, deve ter a sua vida íntima protegida. Ao que direi que a vida íntima do juiz passa a ser de interesse público quando diz respeito ao exercício de uma função pública, como pública é a função que ele exerce no processo. As partes e a sociedade em geral têm o direito de saber o motivo da suspeição.
Se o juiz se declara suspeito, deve ao mesmo tempo declarar o motivo da suspeição, e se não o faz, deve o tribunal a que pertença exigir essa declaração. Este é um truísmo que é tão evidente quando o que justifica a existência da suspeição.