Analisemos o princípio da publicidade, que a Constituição de 1988 erige como um valor fundamental nas relações que os particulares mantêm com o Poder Público em geral, examinando no mesmo contexto os direitos de petição e o de informação.

A publicidade”, como observa nosso insigne constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA,  “sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. (…)”.[1]

 Com efeito, quando se indaga do motivo pelo qual o Legislador assegura, em nosso Texto Constitucional, o direito de petição e o de informação, chegar-se-á, com certeza, ao princípio da publicidade, e deste diretamente à ideia da democracia. Por isso, pontifica o insuperável jusfilósofo BOBBIO:

A doutrina democrática contrapõe a exigência da publicidade ao arcanum do poder autocrático. A justificativa mais coerente e convincente foi dada por Kant nesta célebre passagem: ‘Todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não seja susceptível de publicidade, são injustas’. Qual é o significado prático desse princípio? Uma máxima que não é susceptível de se tornar pública é uma máxima que, na hora em que fosse tornada pública, suscitaria tais reações que tornaria impossível sua execução. Esclareço esse princípio com um exemplo tirado da vida quotidiana. Que um político se aproprie do dinheiro público é um ato que pode ser feito só dentro do maior segredo, e apenas enquanto não se torna público. Na verdade, qual seria o político que transformaria em máxima pública a declaração pública, no ato de posse do próprio cargo, que se apropriaria do dinheiro público”.(“As Ideologias e o Poder em Crise”, p. 208-209, UNB, 1988).

Destarte, é pela verdadeira e efetiva transparência no trato da coisa pública que melhor se pode proteger a democracia, a ponto que:

Agora é a Constituição que a exige. Em princípio, por conseguinte, não se admitem ações sigilosas da Administração Pública, por isso mesmo é pública, maneja coisa pública, do povo (publicum > populicum > populum; público = do povo). Mas a própria Constituição admite informações ‘sigilosas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado’ (art. 5o., XXXIII), isso, porém, há de ser excepcional, sob pena de infringir o princípio que é o da publicidade”. (JOSÉ AFONSO DA SILVA, in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, obra mencionada, p. 564).

Como acentua o emérito constitucionalista português CANOTILHO, “a publicidade é uma exigência da segurança dos cidadãos (princípio do Estado de direito).[2]

Mas se pode lobrigar, por toda a evidência, a possibilidade de conflito entre os diversos princípios constitucionais. Como, por exemplo, entre o princípio da publicidade e o da proteção à esfera de intimidade do cidadão. A respeito, afirma CANOTILHO:

O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenómenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagónicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionais plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador”..[3]

Palmar, pois, que possa haver conflito entre princípios constitucionais reciprocamente incompatíveis, a configurar o que o grande constitucionalista português denomina de “momentos de tensão”, a provocar a indisputável “necessidade (…) de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma ‘lógica do tudo ou nada’, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu ‘peso’ e as circunstâncias do caso”.

Preciosa lição essa, a que recomenda que o operador do Direito, em face de uma situação conflituosa que é decursiva da aplicação de dois princípios constitucionais, coteje o valor de cada um e sopese as circunstâncias que envolvem sua aplicação, obtemperando qual o interesse subordinante e qual deva ser o subordinado.


[1] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 564, 6ª edição, RT.

[2] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1146, Almedina, 4ª edição.

[3] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1145-1146, Almedina, 4ª edição.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here