É algo comum na literatura que autores não queiram ou não possa fixar um determinado lugar como palco dos acontecimentos que estejam a narrar. CERVANTES dessa estratégia se utilizou quando, no início de “Dom Quixote”, escreveu em “algum lugar de La Mancha”. O austríaco, ROBERT MUSIL em seu “O Homem sem Qualidades” fez o mesmo quando situou “Kakânia” como o lugar em que o personagem central vive. De modo que o leitor não sabe com precisão a que lugar a obra refere-se.
Há para isso algumas razões.
O autor, com efeito, poderá não querer situar geograficamente o lugar da ação porque isso seja irrelevante ao entendimento da obra, ou ainda porque esse lugar seja um lugar qualquer, dado que a ação narrada poderia ter acontecido em qualquer lugar.
Mas há casos mais significativos em que a ocultação do lugar se deve tão somente à proteção física e jurídica do autor, sabendo-se que ao longo da história muitos foram os autores que se viram diante de tribunais, respondendo pelo que haviam escrito, tal como ocorreu com BAUDELAIRE e as suas “Flores do Mal”, e FLAUBERT com a sua “Madame Bovary”.
Ainda está por merecer um estudo particular da Literatura e da Filosofia a influência que a Justiça poderá ter exercido para a criação dessa estratégia de linguagem do romance.