De há muito se criou e se mantém em nosso país o mito da imunidade parlamentar, segundo o qual os deputados e senadores estão imunes a tudo que praticarem de ilícito, especialmente no mundo do direito penal. Trata-se de um mito, que como todo mito não representa a verdade.
Com efeito, se formos ao texto constitucional, encontraremos o seguinte em seu artigo 53:
“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
A norma constitucional, a do “caput” do artigo 53, circunscreve expressamente o que está sob a proteção da imunidade parlamentar: as opiniões, as palavras e votos dos deputados e senadores, ou seja, aquilo que é diretamente ligado ao exercício do cargo eletivo. O que permite concluir, sem qualquer dificuldade, que aquilo que não estiver diretamente ligado ao exercício do cargo de deputado ou de senador, não está sob a proteção da imunidade parlamentar.
Obviamente, pois, que em se tratando de um crime de homicídio doloso imputado a um deputado, não há, nem pode haver qualquer relação direta ou mesmo indireta com o exercício do cargo. Destarte, não há imunidade parlamentar para esse tipo de crime.
Quanto à prisão do deputado e do senador, revela-se óbvio interpretar esse dispositivo no sentido de que se não há nenhuma relação, sequer indireta, do crime imputado ao deputado ou senador com o exercício de seu cargo eletivo, não há nenhuma razão lógica ou jurídica que garanta ao parlamentar um direito como o de não ser preso. A finalidade da norma constitucional é a de proteger o exercício do mandado parlamentar, o que justifica que o deputado e o senador não sejam presos, salvo em flagrante, desde que exista ao menos uma relação indireta do que exercício do cargo ao fato imputado, o que justifica que o Congresso Nacional possa avaliar se a prisão deve ou não ser mantida. Mas quando não há nenhuma relação, sequer indireta, como em um crime de homicídio doloso em ambiente familiar, que relação pode existir entre esse fato criminoso e o exercício do mandato parlamentar que justifique possua o Congresso Nacional o poder de legitimar a prisão, ou mesmo que se possa obstar a prisão preventiva do parlamentar por um crime tão grave como é o do homicídio doloso?
Como todo texto legal, a Constituição deve ser interpretada de acordo com aqueles critérios e métodos desde há muito consolidados pela Ciência do Direito, e além disso a doutrina erigiu o princípio da proporcionalidade como um importante mecanismo para analisar e definir se a norma constitucional é justa e proporcional ou não.
Conceder uma imunidade parlamentar tão ampla e desarrazoada como está a suceder no Brasil é transformar em realidade o que a norma constitucional não prevê.