Criado em 1998 com a emenda constitucional de número 19, o teto remuneratório ao setor público tem provocado controvérsia quanto à sua aplicação, porque a norma constitucional não define, com clareza, qual valor jurídico quer proteger.

Com efeito, se considerarmos que a norma constitucional que fixou o teto remuneratório tem por objetivo salvaguardar as finanças públicas, de modo que seu objetivo é impedir que o servidor público em geral (dos três Poderes, portanto),  receba acima de um determinado valor,  estabelecendo-se esse valor jurídico (a proteção às finanças pública) como nuclear, isso determinaria a conclusão de que outros valores jurídicos, que conflitam com aquele, devem ceder passo. Assim, por exemplo, um servidor que, executando uma outra função, ou ocupando outro cargo cumulado, venha a receber duas remunerações, não poderia receber, na soma das remunerações, o que sobre-excede o do teto remuneratório.

Mas se considerarmos que esse valor – o da proteção às finanças públicas – não foi erigido como um valor jurídico absoluto, e que por isso deve se harmonizar com outros valores que com ele conflitem, então outra deverá ser a interpretação da norma constitucional. Assim, por exemplo, um servidor que cumule cargos e receba a remuneração respectiva a cada um, poderá manter a remuneração somada, ainda que supere a do teto, porque além do direito adquirido, há em seu favor o entendimento de que, cortar a remuneração de um cargo seria o mesmo que obrigá-lo a trabalhar sem receber, gerando em favor da Administração um indevido benefício.

Como não há em nosso ordenamento jurídico nenhum valor jurídico absoluto – e o STF isso já o declarou inúmeras vezes -, e como diante do conflito entre valores jurídicos há a necessidade de se aplicar o princípio da proporcionalidade, que a mesma Constituição de 1988 acolhe, devemos concluir que o valor de proteção às finanças públicas não é absoluto, o que, contudo, não equivale a dizer que ele deverá ser necessariamente sacrificado quando em conflito com outros valores. Significa, sim, que o interprete da norma constitucional deverá necessariamente considerar as circunstâncias do caso em concreto, para decidir qual valor jurídico prevalecerá, ponderando-se os interesses em conflito, e em se analisando também a finalidade da norma constitucional e o meio utilizado pelo Legislador para proteger determinado valor, pois que esses são as formas de controle enfeixadas no conteúdo do princípio da proporcionalidade.

Destarte, tanto melhor que a norma constitucional que criou o teto remuneratório não tenha definido nenhum valor jurídico como absoluto, deixando à análise do caso em concreto a  busca por uma harmonização entre os valores em conflito, ou no caso em que isso for impossível, para conceder ao Poder Judiciário a decisão quanto a que valor deve prevalecer. (De resto, ainda que tivesse a norma constitucional erigido um valor como absoluto, isso não obstaria que o princípio da proporcionalidade devesse ser aplicado.)

Quando se afirma que se devem considerar as circunstâncias do caso em concreto, pode-se indagar se assim deve ocorrer quando se está em controle concentrado de constitucionalidade, quando a norma é avaliada em abstrato. Também aqui as circunstâncias do caso em concreto devem ser analisadas, circunstâncias essas que dizem respeito àqueles aspectos que são perscrutados quando se analisa a finalidade da norma em face de uma determinada realidade, e o meio de que se utilizou para alcançar essa finalidade.

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