Os direitos fundamentais, como todos os direitos que dizem respeito diretamente à liberdade, são formulados em normas frequentemente genéricas, sem um conteúdo determinado, a conceder ao juiz o poder de extrair esse conteúdo e alcance conforme as circunstâncias do caso em concreto, o que significa dizer que o juiz deve analisar a realidade material que existe ao tempo em que esteja a julgar o caso. A indeterminação de expressões que compõem a norma legal é, assim,  necessária para que o conteúdo e o alcance de qualquer  direito fundamental seja adequadamente fixado, como bem observou ROBERT ALEXY em sua famosa obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”.

Daí porque expressões algo genéricas, como, por exemplo, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, a liberdade de comunicação, devem ser utilizadas pelo legislador nas normas constitucionais que preveem os direitos fundamentais, e como tal  aparecem no texto de nossa Constituição de 1988. Cabe ao Poder Judiciário extrair seu conteúdo e alcance, observando um princípio que ALEXY frisa: o de que a interpretação de uma norma que prevê um direito fundamental deve priorizar a garantia desse direito, de modo que ele não possa ser injustamente sacrificado, salvo em circunstâncias específicas, que tornem impossível a harmonização desse direito em face de outro direito ou de uma posição jurídica estatal. O princípio da proporcionalidade é o instrumento que se deve utilizar para a interpretação e aplicação dos direitos fundamentais.

Analisemos aqui o direito fundamental à liberdade de expressão, dado tratar-se de um direito hoje bastante discutido no Brasil, diante sobretudo de decisões judiciais e administrativas que têm, na prática, suprimido esse direito. Decisões que, na maioria das vezes, fazem  tábula rasa do princípio da proporcionalidade e do que a doutrina construiu a respeito desse importante princípio.

Reconhece-se, é certo, que em nossa doutrina pouco se escreveu, com rigor científico, acerca do direito fundamental à liberdade de expressão, e isso também sucede com o princípio da proporcionalidade, o  que talvez explique a pouca importância que a matéria tinha entre nós, até sobrevirem as decisões a que me referi.

Ao contrário do Brasil, na Europa ocidental há uma consistente doutrina construída acerca do direito fundamental à liberdade de expressão, e além disso Tribunais, em especial o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, apoiados no importante suporte que a doutrina lhes fornece, têm estabelecido seguros parâmetros para a definição do que forma, em essência, o conteúdo e o alcance do direito fundamental à liberdade de expressão.

Autores como o português, JONATAS MACHADO, pontificam que a liberdade de expressão não pode mais corresponder apenas à proteção a uma razão pública ou comunicativa, mas deve abranger a emoção pública e a ação comunicativa, na esteira do que HABERMAS afirmara. Por isso que as palavras, ainda aquelas ofensivas “constituem um barômetro de sentimentos, e como tais, têm uma importância substancial como expressão” – e devem por isso estar sob a proteção enfeixada no conteúdo e alcance do direito de liberdade de expressão.

Destarte, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos adota hoje a posição no sentido de que não se deve exigir da pessoa comum, quando exerce a sua liberdade de expressão, o mesmo grau de certeza que se exige de uma decisão judicial, ou seja, não se pode exigir que o conteúdo da expressão  comprove-se como um fato verdadeiro no grau imposto ao juiz quando profere em uma sentença, senão como o mero exercício da liberdade de expressão, que, como frisa a doutrina, abarca as emoções que envolvem as palavras.

Esperemos que a nossa jurisprudência evolua nesse mesmo sentido, sobretudo quando se trata de analisar se é caso de censurar-se previamente uma manifestação, situação tão excepcional que deveria constituir apenas exemplo em livros de doutrina, e como ensinamento de quão importante é proteger e garantir a todos a liberdade de expressão.

 

 

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