De modo surpreendente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, revelou ontem que um braço do Ministério Público Federal, aquele instalado na cidade de Curitiba e que conduziu toda a investigação da emblemática operação “Lava Jato”, coletou, pesquisou e armazenou informações relativas sobre trinta e oito mil pessoas, mantendo assim uma espécie de “bunker”, protegido de qualquer publicidade e imune ao conhecimento até mesmo da cúpula do Ministério Público Federal. Ainda não há informação precisa quanto ao uso que os procuradores da república fizeram daquele material.
Segundo o procurador-geral da República, será necessário apurar, com cautela, como foram coletadas aquelas informações, ou seja, se havia autorização judicial, e sobretudo se essa autorização judicial observou a forma legal. Poderá suceder, pois, que, investigando-se a si mesmo, o Ministério Público Federal acabe por descobrir que o “bunker” poderá ter sido construído com o apoio ilegal de alguns juízes federais.
Isto porque a nossa Constituição de 1988 e a legislação editada a partir dela para regular a quebra do sigilo (fiscal, telefônico, bancário, etc …) estabelecem uma série de rigorosos requisitos para que a autorização judicial possa ser concedida, o que de resto atende às garantias de proteção à vida íntima e a esfera juridica de todos.
Destarte, para que se possa autorizar judicialmente a quebra ao sigilo, é necessário que o fato a ser investigado revele-se determinado em suas circunstâncias mais essenciais, e que o órgão acusador, o Ministério Público, justifique a necessidade concreta da quebra do sigilo como indispensável fonte para as investigações, sem o que o juiz não pode autorizar a quebra do sigilo. Não se pode, evidentemente, quebrar o sigilo para se obter uma fonte de informação a ser utilizada, ou não ser utilizada, conforme os interesses do Ministério Público, em investigações que ainda não existem.
O fato é gravíssimo, como se pode perceber, sobretudo porque revelado pela direção geral do próprio Ministério Público.
Caberá, pois, ao Conselho Nacional do Ministério Público investigar a conduta disciplinar dos procuradores da república que de qualquer modo contribuíram para a criação desse “bunker”. E ao próprio Ministério Público Federal se impõe o dever de, com a maior publicidade possível, investigar se houve violação a leis penais (abuso de autoridade, por exemplo), e improbidade administrativa daqueles procuradores. O mesmo deverá suceder com o Conselho Nacional de Justiça em relação aos juízes que autorizam a quebra do sigilo.
Além disso, caracterizada a ilegalidade na investigação realizada pelo Ministério Público Federal e na construção de uma ilegal base de dados, é dever do próprio Ministério Público tornar conhecida a relação das pessoas que foram investigadas, para que estas possam reclamar na Justiça a reparação dos danos que tenham suportado, em ação que promoverão contra a União Federal, cabendo a esta, por meio de ação de regresso, buscar a responsabilidade civil dos procuradores e juízes, se a ilegalidade de fato caracterizar-se.
A título de curiosidade histórica, o leitor poderá consultar a fundamental obra “Idos de Março”, organizada pelo inesquecível jornalista, ALBERTO DINES, e constatará que a Ditatura militar utilizou-se em grande escala da construção de “bunkers”, técnica bastante apropriada para quem quer operar no desvão do poder legítimo.