Publicamos hoje sentença em que analisamos demanda promovida por um servidor público estadual que, ainda em atividade no seu cargo, buscava a declaração de uma relação jurídico-material futura, de modo que se lhe reconhecesse o direito de, quando aposentado, receber determinada vantagem pecuniária. Declarou-se a carência por ausência do interesse de agir, dado inexistir uma relação jurídico-atual sob controvérsia.
Vistos.
Procurador autárquico em atividade, contratado sob o regime da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, mas com estabilidade funcional na forma como previsto está na Constituição do Estado de São Paulo, o impetrante (…), qualificado a folha 2, impetra este mandado de segurança contra o senhor SUPERINTENDENTE do D.E.R. – DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM, autarquia estadual, com o objetivo de que seja declarada a existência de relação jurídica que lhe garanta o percebimento de determinada verba funcional (honorários advocatícios), quando tiver obtido a aposentação no cargo que ocupa, de modo que ao valor dos proventos que vier a receber seja essa verba funcional acrescida.
Sustenta o impetrante que não obstante possa vir a se aposentar pelo regime geral da previdência, a mantença da verba funcional em questão decorre do que prevê a Lei Complementar Estadual – SP de número 1.077/2008, o que é de ser reconhecido também aos procuradores autárquicos, cujo regime de aposentadoria deve ser equiparado aos dos procuradores do estado, de acordo com a Lei que invoca.
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 25/93.
Negada a medida liminar (folha 95); não se registra a interposição de recurso.
Notificada, prestou informações a Autoridade impetrada, arguindo a ausência da condição específica do mandado de segurança, a configurar a carência de ação, argumentando, quanto ao mérito da pretensão, que o fato de o impetrante estar sujeito às regras da CLT obsta que ele possa pleitear a mantença de uma verba funcional paga apenas quando em atividade o procurador. Argumentou ainda que a Lei Complementar 1.077/2008 foi editada com o único objetivo de estender aos procuradores autárquicos o mesmo regime de limite de remuneração pago aos procuradores do estado, sem qualquer efeito em relação à verba funcional pleiteada. Noticiou, outrossim, que o impetrante está, noutra ação, a discutir quanto ao regime em que se aposentará, quando isso vier a ocorrer, processo ainda em fase de recurso no âmbito do Egrégio Supremo Tribunal Federal (folhas 101/114, com documentos as folhas 115/154).
Declinou de intervir o MINISTÉRIO PÚBLICO (folhas 156/157).
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Discute-se neste “writ” se um procurador autárquico pode, aposentando-se pelo regime da CLT, manter o pagamento de determinada vantagem pecuniária (honorários de advogado).
Malgrado entenda que é sempre obrigatória a intervenção do Ministério Público em mandado de segurança, independentemente da matéria nele discutida, pois que assim o estabelece o artigo 12 da Lei Federal de número 12.016/2009, excepcionalmente acedo com o posicionamento do ilustre Promotor de Justiça que deixou de oficiar, para que assim seja possível proferir-se, sem mais, esta Sentença, emprestando plena eficácia ao dispositivo constitucional que assegura celeridade no trâmite das demandas.
Segundo informou a Autoridade impetrada, o impetrante antes impetrara um outro mandado de segurança com o objetivo de poder se aposentar sob o regime de previdência próprio dos servidores públicos do estado de São Paulo, e não sob o regime geral de previdência; esse processo teve trâmite também por esta Vara, teve sua pretensão sido declarada improcedente, decisão que o Egrégio Tribunal de Justiça manteve ao julgar recurso de apelação, contra o que se insurgiu o impetrante, levando o caso ao julgamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ainda não ultimado.
Essa lide anterior não configura litispendência, dado que não há identidade de causa de pedir ou de pedido. Mas um aspecto a considerar-se. Senão vejamos.
Há que se reconhecer, com efeito, caracterizada a ausência de uma condição de ação exigida para o tipo de provimento jurisdicional buscado pelo impetrante: o provimento meramente declaratório. Com efeito, pretende o impetrante ver declarada a existência de relação jurídica que lhe garanta manter, quando vir a se aposentar, vantagem pecuniária que em atividade lhe é paga (honorários de advogado). O efeito condenatório embutido é diretamente decorrente do provimento declaratório, que é assim o provimento principal pleiteado.
E se tratando, como se trata de um provimento meramente declaratório, é de rigor analisar-se se as condições exigidas para esse tipo de provimento estão ou não presentes. E dentre essas condições, segundo o nosso Ordenamento Jurídico em vigor, está a que exige a caracterização de uma relação jurídica objetiva e atual, como enfatizou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “(…) isto é, relativa a direitos e obrigações já existentes e atuais e não apenas possíveis, impondo-se ainda, haja dano para o autor” (STJ – REsp 72417 – RJ – 2ª T. – Rel. Min. Peçanha Martins – DJU 22.03.1999 – p. 159).
Como ensina CELSO AGRÍCOLA BARBI, competente estudioso da ação declaratória, o objeto da ação declaratória deve ser uma relação jurídica concreta e com efeitos atuais (ao tempo em que a ação é promovida, com efeitos que se mantenham ao menos até o momento em que a sentença for proferida); uma futura relação jurídica, portanto, não pode, em nosso Ordenamento Jurídico em vigor, ser objeto de uma ação de provimento declaratório (cf. Ação Declaratória Principal e Incidente, p. 93-94, 4a. edição, Forense, 1977).
No caso presente, embora o impetrante afirme reunir os requisitos que lhe permitiriam pleitear a aposentadoria (cf. folha 3), o fato é que tal benefício ainda não lhe foi concedido, e nem o impetrante fez prova de que o tivesse já requerido na esfera administrativa. Aliás, o impetrante está, com certeza, na aguarda do que vier a ser decidido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal no mandado de segurança que impetrou com o objetivo de definir a que regime de aposentadoria deverá se filiar, se o do regime geral de previdência (pois que contratado segundo as regras da CLT), ou do regime dos servidores públicos do Estado de São Paulo. O que releva adscrever, não obstante a existência daquele processo, e mesmo diante da alegação do impetrante de que cumpriu os requisitos à aposentadoria, o certo é que ainda não obteve esse benefício, e nem o requereu.
Destarte, até que sobrevenha sua aposentadoria, o impetrante não pode se utilizar do provimento declaratório, ainda que veiculado em mandado de segurança, por lhe faltar o requisito que diz respeito à existência de uma relação jurídica atual e objetiva. A dizer: o impetrante não pode, antes de aposentar-se, pretender que o Poder Judiciário, como órgão de consulta, decida sobre a mantença de uma vantagem funcional, cuja análise somente poderá ser realizada quando se tiver como definitivamente decidido em qual regime de aposentadoria o impetrante está aposentado. Antes desse momento, o impetrante não está inserido em uma relação jurídica objetiva e atual, faltando-lhe assim uma condição específica para o manejo da ação declaratória.
Nesse sentido, pontifica o insuperável CHIOVENDA acerca da ação declaratória, provimento pleiteado pelo autor nesta sede: “(…) a incerteza tem de ser objetiva, no sentido de que não basta que o titular de um direito esteja inseguro dele, mas exige-se um ato ou fato exterior objetivo em condições de tornar incerta a vontade concreta da lei no espírito de qualquer pessoa normal. A incerteza tem de ser jurídica, isto é, relativa a direitos ou obrigações; e atual, isto é, já existente e não só possível”.”(“Instituições de Direito Processual Civil”, v. I, p. 226-227, editora Saraiva, 1969, São Paulo).
POSTO ISSO, configurada a carência de ação declaratória, declaro a extinção deste mandado de segurança, por aplicação subsidiária do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Condeno o impetrante no pagamento da taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso. Em mandado de segurança, não há condenação em honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.