Admite-se a execução provisória contra a Fazenda Pública? Sim, segundo a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em recurso extraordinário, entendeu que, havendo parte do julgado sobre a qual não exista mais controvérsia, quanto a essa parte pode haver a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, ainda que não se configure a coisa julgada material no processo.
No caso analisado pelo STF, uma autarquia estadual fora condenada a indenizar vítima de acidente de trânsito, e, condenada em primeiro grau, não recorreu senão quanto à forma de atualização monetária, de modo que o recurso pendente circunscreve-se a essa parte do julgado. O juízo “a quo” havia autorizado a expedição de precatório quanto ao valor tido como incontroverso, mas houve recurso da autarquia e a matéria chegou, em recurso extraordinário, à análise do STF.
De fato, se adotarmos uma interpretação literal, e mesmo sistemática (mas considerando o sistema que era então adotado pelo CPC/1973, aquele então em vigor), concluíremos que a CF/1988 condiciona a expedição de precatório (e também de requisição de pequeno valor) ao trânsito em julgado da sentença. Mas há que se considerar que temos hoje, em face do CPC/2015, um novo regime jurídico da coisa julgada material.
No CPC/1973, o artigo 467 previa: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Já no artigo 502 do CPC/2015 estatui-se: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
A doutrina processual mais moderna defende a tese de que se deve considerar a possibilidade de existirem capítulos da sentença, tanto quanto forem as matérias que o juiz nela terá examinado, e que isso deva ser principalmente considerado para a aplicação do regime da coisa julgada material. O que significa dizer que a sentença pode abarcar, e frequentemente abarca, mais de uma decisão, e por isso os efeitos da coisa julgada material devem ser observados em relação particular sobre cada uma as decisões que formam a sentença, de modo que pode suceder que uma determinada decisão proferida na sentença torne-se imutável, e assim seja alcançada pelos efeitos da coisa julgada material, sem prejuízo de o mesmo processo prosseguir em fase recursal para outra parte ou decisão da mesma sentença.
Essa é a intelecção que se deve extrair do conteúdo e alcance do artigo 502 do CPC/2015, que não mais fala em sentença, mas em decisão.
A CF/1988, ao condicionar a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor ao trânsito em julgado, estava a considerar o regime jurídico-processual da coisa julgada material, tal como o estabelecia o CPC/1973. Modificado esse regime, a interpretação da norma constitucional deve levar em conta o novo regime para a coisa julgada material no processo civil, o que, de resto, harmoniza-se com o princípio que a mesma Constituição de 1988 estatui no sentido de que a tutela jurisdicional deva ser célere – e a tutela executiva é uma forma da tutela jurisdicional, de modo que também a ela, senão que principalmente a ela, a celeridade deve ser implementada, o que determina a conclusão de que se deve admite a execução provisória contra a Fazenda Pública.