Como contrapartida ao socorro financeiro que prestará aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal em decorrência da crise econômica causada pela pandemia, a União Federal impôs-lhes determinadas exigências e condições. É o que está previsto na lei complementar 173, de 27 de maio de 2020.
Uma das condições está prevista no artigo 8o., inciso IX, que obsta que esses entes públicos considerem o período compreendido entre março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 como tempo de serviço para aproveitamento em diversos adicionais, como no adicional por tempo de serviço e na licença-prêmio. Assim, durante esse período, os adicionais em questão, embora não tenham sido suprimidos, terão a sua eficácia suspensa. Daí a questão que se coloca: a Lei pode interromper o cômputo do tempo de serviço para esse fim?
Segundo HELY LOPES MEIRELLES em sua conhecida obra “Direito Administrativo Brasileiro”, a lei pode instituir uma vantagem pecuniária sob a modalidade de um adicional por tempo de serviço, quando quer melhor remunerar o servidor público pelo exercício de sua função, como uma forma, pois, de recompensá-lo pelo tempo em que se mantém no exercício do cargo, segundo as condições que a lei preveja. No caso do adicional por tempo de serviço e da licença-prêmio, trata-se, assim, de vantagens pecuniárias que levam em conta o tempo, formando este o elemento nuclear desse tipo de vantagem pecuniária.
No exercício do poder discricionário que a Constituição da República de 1988 confere-lhe, pode a Administração, por sua conveniência, editando lei, suprimir “para o futuro” o adicional por tempo de serviço, como ressalva HELY na obra mencionada. “Para o futuro”, quer significar que a lei terá que respeitar o direito adquirido do servidor público que estiver a computar o tempo previsto na lei que preveja a concessão do adicional por tempo de serviço, de modo que esse tempo deverá ser considerado, computado e aproveitado para o adicional, a ser concedido e apostilado tão logo o tempo previsto em lei tenha sido completado. Destarte, a Lei pode suprimir para o futuro o adicional por tempo de serviço, assim como qualquer vantagem pecuniária que tenha como núcleo o aspecto temporal, mas terá que respeitar o direito adquirido daquele servidor que estiver a computar o tempo de serviço, até que o tempo previsto na lei revogada tenha sido completado.
De resto, a Administração contaria com um poder desarrazoado de interromper,
“sponte sua”, o fluxo do tempo, obtendo efeitos mais vantajosos que poderia obter acaso determinasse a supressão do adicional, sem ter que respeitar o direito adquirido.
E, assim um benefício que o servidor obteria depois que laborasse cinco anos, somente lhe seria concedido aos sete ou oito anos de trabalho, com uma sensível modificação do aspecto temporal que forma o núcleo da vantagem pecuniária, segundo a lei em vigor, sendo imperioso lembrar que, segundo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 2o., uma lei nova que estabeleça disposições especiais (como no caso da mencionada lei complementar), não pode revogar, nem modificar a lei anterior, que continua a produzir seus efeitos em decorrência do direito adquirido.
Poder-se-ia obtemperar, utilizando-se de um vetusto princípio do Direito, de que se a Administração pode o mais, isto é, se pode extinguir o adicional por tempo de serviço, poderia o menos, ou seja, poderia apenas interromper o fluxo do tempo para que não possa ser aproveitado no adicional por tempo de serviço. Esse argumento, contudo, não pode subsistir por três razões:
- primeiro porque, mantendo a lei a previsão do adicional por tempo de serviço como um benefício funcional que o servidor fará jus tão logo complete o tempo previsto em lei, em não havendo nenhuma modificação na forma como o servidor está a laborar, não há justa razão para que esse tempo deixe, artificialmente, de ser aproveitado;
- segundo porque a interrupção desse prazo equivale, na prática, à supressão da vantagem pecuniária, sem, entretanto, haver previsão expressão da lei quanto à essa supressão;
- terceiro porque a interrupção, ainda que pudesse a Administração a impor, deve respeitar o direito adquirido do servidor, até que ele complete o tempo previsto originalmente na lei, considerando, pois, o tempo que esteja já integrado a seu patrimônio jurídico-funcional no momento em que entra em vigor a nova lei, de modo que a interrupção da contagem do tempo de serviço, tanto quanto a supressão, somente podem produzir efeitos para o futuro.
Excelente explanação. Isso sem contar que, em alguns estados, como SP, o quinquênio é previsto na Constituição Estadual. Parabéns!
Obrigado pela leitura e pelo comentário.