“Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.
§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
§ 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.
§ 3º (VETADO)
§ 4º No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”.

Comentário: esta é a norma nuclear no específico sistema processual criado pela Lei federal de número 12.153/2009, fixando  as causas que são da competência absoluta do Juizado Especial de Fazenda Pública, tendo optado o Legislador por se utilizar de dois critérios para a fixação dessa competência. O primeiro e mais importante critério (mas não o único) é o valor da causa. O  outro critério diz respeito à natureza da causa, que o Legislador utiliza essencialmente como critério de exclusão da competência, como se vê do elenco do parágrafo 1o., excluindo-se, pois, da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública determinadas ações, caso, por exemplo, do mandado de segurança, da ação de desapropriação, da ação popular e de improbidade administrativa.

Também como critério de exclusão dessa competência, estabelece a Lei que se a demanda apresentar  uma significativa complexidade fática, ou fático-jurídica, nesse caso a competência não se fixa, ainda que o valor atribuído à demanda encontre-se dentro do limite legal (de sessenta salários mínimos). Com efeito, apresentando a lide uma complexidade fática a cujo desimplicar se demonstre necessário produzir uma prova pericial sob uma modalidade que não possa se circunscrever a um mero exame técnico, então nesse caso a natureza da lide afastará a competência do Juizado Especial de Fazenda Publica, porque no sistema processual da Lei federal de número 12.153/2009 a perícia somente pode ser produzida por aquela forma mais simples que é a do exame técnico. Outras modalidades de perícia, caso, por exemplo, da avaliação, por exigirem um conjunto de atos que podem afetar  a celeridade, não podem ser produzidas nesse específico sistema processual, devendo o juiz declinar da competência, o que de resto busca atender ao princípio do devido processo legal, em cujo conteúdo está o direito a um processo justo, entendendo-se por tal um processo com azado campo cognitivo e probatório.

A competência do Juizado Especial de Fazenda Pública também não se fixa quando houver uma significativa complexidade fático-jurídica, que se configura quando o tipo de procedimento exigido para o exame da pretensão não for compatível com o procedimento que o sistema processual da Lei 12.153/2009 adota. Consideremos, a título de hipótese, a ação de consignação em pagamento (CPC/2015, artigo 539).

Quanto ao valor da causa, como a Lei 12.153/2009 não fixou critérios próprios, salvo o que determina se considerem o valor das parcelas vincendas (artigo 2o. parágrafo 2o.), e como a Lei 9.099 (a Lei do sistema geral dos Juizados Especiais) também não os fixou, exceto quanto à regra que se deve aplicar à cumulação de pedidos (artigo 15 da Lei 9.099), na ausência de normas estabelecidas nesses sistemas processuais específicos, deve o intérprete socorrer-se das normas gerais do Código de Processo Civil de 2015 (artigos 291/292).

O Legislador enfatizou que a competência do Juizado Especial de Fazenda Pública é sempre absoluta, de modo que o autor não pode optar pelo sistema processual da Lei 12.153/2009, que deverá ser obrigatoriamente adotado se o valor da causa estiver dentro do limite legal (de sessenta salários mínimos), e a causa não apresentar uma significativa complexidade fática, ou a ação não estiver expressamente prevista no rol das situações de exclusão de competência. Tratando-se de  competência absoluta, aplica-se ao sistema do Juizado Especial de Fazenda Pública o mesmo regime que é estabelecido pelo artigo 64 do Código de Processo Civil.

Há considerável vantagem em se ter definido na Lei que a competência do Juizado Especial de Fazenda Pública é absoluta, eliminando-se com isso a incerteza jurídica. Mas há um sério inconveniente que vem ocorrendo na prática, porque não há ainda uma segura e objetiva definição da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública quando se trata de ação em que ocorre o litisconsórcio ativo. Há, com efeito, julgados que entendem que o valor da causa deva ser a soma de todos os pedidos cumulados (entre todos os autores), enquanto há julgados (hoje em maior número) que entendem que o valor a considerar-se deva ser o do pedido de cada autor, gerando, por óbvio, uma situação de incerteza jurídica. Dada a importância do tema, entendemos necessário fazer algumas observações.

Há que se considerar, pois, que o valor da causa deve corresponder ao da soma dos pedidos, quando houver litisconsórcio ativo, porque nesse caso (a dizer, no litisconsórcio) ocorre uma cumulação objetiva e subjetiva, o que determina a aplicação da regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil, cujo conteúdo, vale observar, é idêntico a do artigo 15 da Lei federal de número 9.099/1995.

Para efeitos processuais, com efeito,  deve-se considerar o valor do pedido, que, como observa Liebman, constitui a base para a determinação do valor de uma causa. Esse aspecto econômico da demanda pode ser utilizado pelo legislador para diversos fins no campo do processo civil, como para determinar que procedimento se deva adotar, que tipo de recurso a parte possa interpor, e mesmo como base de cálculo de honorários de advogado.

Mas o aspecto econômico é sobremodo importante quando se trata da definição de competência para aquelas causas que, a critério do legislador, devam contar com um procedimento mais abreviado, com uma campo cognitivo mais limitado, ou ainda com um sistema recursal mais enxuto, tudo de molde que se prestigie a celeridade, porque é de se presumir que uma causa menos complexa exija um menor tempo de processamento. A criação, em nosso ordenamento jurídico, dos juizados especiais (cíveis e de fazenda pública), colocando-se esse sistema como uma forma de tutela jurisdicional diferenciada, buscou atender à regra constitucional que propicia a todos os litigantes a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, porque a razoável duração de um processo é de ser medida principalmente em função do grau de complexidade da demanda.

Em geral, pode-se reconhecer que a complexidade de uma causa está em razão direta do valor a ela atribuído: quanto maior esse valor, mais uma causa tenderá a ser complexa. Daí constituir o valor da causa um parâmetro bastante apropriado à definição do grau de complexidade de uma demanda, podendo assim ser utilizado como um critério objetivo de competência, do qual o legislador se utilizará quando estiver a criar um específico sistema processual, cujo campo cognitivo deva ser mais limitado, ou cujo procedimento conte com um abreviado número de atos processuais, tudo para que o provimento jurisdicional seja proferido em menor tempo.

Decerto, poder-se-ia argumentar que o legislador, quando estabelece um determinado valor da causa para fim de competência, está a operar com uma presunção que, por ser relativa, eventualmente não corresponderá à verdade; ou seja, nalguns casos poderá suceder que o diminuto valor atribuído à causa esconda um grau de complexidade que tornará incompatível a utilização de um processo com um campo cognitivo mais limitado, daí surgindo o risco de que o “direito a um processo justo” – entendido como o direito dos litigantes a um processo cujo campo cognitivo lhes conceda a possibilidade de nele produzirem todas as provas necessárias ao desimplicar da demanda – reste violado.

Tratando-se de uma presunção relativa, sabe o legislador que o critério econômico poderá, em algum caso, ocultar a real complexidade de uma demanda. Mas ainda assim deve se utilizar desse importante critério de competência, confiando à sabedoria do juiz o poder de apurar, com maior precisão, o grau de complexidade de uma causa, para decidir se a ela se deverá aplicar ou não um sistema processual caracterizado por possuir um campo cognitivo mais limitado. Aliás, é precisamente por isso que a Lei federal de número 9.099/1999 (a lei que criou o sistema processual dos juizados cíveis, e que também se aplica ao sistema processual dos juizados da fazenda pública), enfatiza em seu artigo 2º. os valores – tornados princípios –, que o juiz deve sempre levar em consideração, nomeadamente para decidir se uma causa deve ou não ser processada dentro daquele específico sistema processual.

A influência da legislação processual alemã e italiana mostrou-se ainda mais intensa no Código de Processo Civil de 1973, que acerca do valor da causa fez adotar várias regras do Código de Processo Civil italiano de 1865 e do Código de Processo Civil alemão de 1877 (este com o texto em vigor a partir de janeiro 1934, estabelecido por meio do Decreto 8, de 1933), fixando como regra geral a de que a toda causa se deveria atribuir um valor, mesmo quando não houvesse um conteúdo econômico imediato (art. 258), além de reproduzir alguns critérios que vinham do Código de 1939 (como, por exemplo, o que dizia respeito à ação de cobrança de dívida), sem deixar de regular hipóteses que, embora comuns, não tiveram previsão naquele Código (caso das ações de alimentos e de divisão, demarcação e reivindicação).

Mas dentre as regras que o Código de 1973 manteve, está aquela que é sobremodo importante ao objeto deste nosso estudo. Trata-se, com efeito, da regra do artigo 259, inciso II, que, para a hipótese de cumulação de pedidos, estatuía que o valor da causa deveria corresponder à soma dos valores de todos os pedidos – regra idêntica à do artigo 44 do Código de 1939, assim expressa: “Havendo cumulação de pedidos, o valor da ação será a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.

Essa regra do Código de 1939 teve como fonte direta o Código de Processo Civil alemão de 1877, que em seu parágrafo 5º., previa:
“Quando se exercitem várias ações em uma mesma contenda, se somará a importância de todas. Não se somará o valor da demanda com a reconvenção”.

Note-se, porque de acentuado relevo, que, tal como no Código de Processo Civil alemão, as regras de nossa legislação processual civil – a do artigo 44 do Código de 1939, e a do artigo 259, inciso II, do Código de 1973 –, não adotaram a ressalva que o Código de Processo Civil italiano de 1865 havia fixado em seu artigo 73, ao estabelecer que, na hipótese de cumulação de demandas, deveria se observar se o título (ou causa) que constituía o objeto da cumulação era o mesmo em face de todas as demandas cumuladas, situação que na legislação italiana recebia uma solução diversa daquela adotada no Código de Processo Civil alemão. Eis o texto do artigo 73 do Código italiano de 1865:

“Quando os capítulos de uma demanda sejam em maior número, se somarão todos para determinar o valor da causa, se dependem do mesmo título; se dependem de título distinto, se observará o valor de cada um tomado separadamente”.

Comentando esse artigo, escreveu Chiovenda:

“Duas ou mais ações podem cumular-se de diferentes maneiras: alternativamente (peço a coisa A ou a coisa B), ou eventualmente (peço a coisa A, e subsidiariamente, isto é, para o caso que não se me conceda a coisa A, peço a coisa B), ou condicionalmente (peço a rescisão de uma venda e, em caso de que se a declare, peço a devolução da coisa). Nestes casos, é evidente que a quantia da causa será o valor maior entre os de A e B. Porém, podem estar várias demandas cumuladas simplesmente (peço a coisa A e peço também a coisa B). Neste caso nossa lei distingue: se as demandas procedem do mesmo título, somam-se uma a outra para determinar a quantia da causa; se procedem de títulos diferentes, ter-se-á em conta o valor de cada um, por separado.”.

E comentando os sistemas italiano e alemão, observou Chiovenda:

O princípio adotado por nossa lei conduz ao resultado de que, por exemplo, o ‘pretor’ é competente para conhecer de várias demandas, digamos de dez demandas, pelo valor de mil liras cada uma, mesmo que, quando somadas, todas excedem de cinco mil liras; e ao contrário, para conhecer dessas demandas será incompetente o Tribunal de primeira instância. Duas demandas fundadas em títulos diferentes, por exemplo, uma de um valor de mil liras e a outra de oito mil não poderão propor-se ante o Tribunal de primeira instância, senão que a primeira o deverá ser ante o pretor; a segunda, ante o Tribunal, dando lugar assim a dois juízos separados. Nosso sistema, ademais, motiva frequentes questões quando se trata de saber se várias demandas dependem ou não de um só título.
“Por todas essas razões, é talvez preferível o sistema do legislador alemão, que prescreve que as demandas somem-se em todo caso para determinar a quantia”.

Foi esse o princípio, haurido diretamente do Código de Processo Civil alemão, que o nosso Legislador adotou nos Códigos de 1939, 1973 e também no Código de 2015, ora em vigor, pois que este prevê, em seu artigo 292, inciso VI, que, na ação em que há cumulação de pedidos, o valor da causa será, em todos os casos, “a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.

É da tradição do direito brasileiro, portanto, que, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deva corresponder à soma de todos os pedidos, não tendo havido jamais em nossa legislação qualquer ressalva quanto a se considerar se os pedidos derivam ou não de um mesmo título em face das demandas cumuladas. A cumulação de demandas ocorre quando, em um só processo, duas ou mais pretensões são formuladas (cumulação objetiva), ou ainda quando os litígios, reunidos num só processo, têm sujeitos diversos (cumulação subjetiva). Como observa Frederico Marques, a cumulação objetiva pode combinar-se com a subjetiva, desde que vários sejam os autores, ou os réus, ou ambas as partes, figurando todos como sujeitos de diversas lides, objetivamente cumuladas.

Em nosso sistema processual civil, conforme se fez assinalar, manteve-se sempre uniforme a regra segundo a qual, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deverá corresponder à soma de todos os pedidos, quando cumulados em um só processo. Assim foi estatuído no Código de 1939 (art. 44), no Código de 1973 (art. 259, inciso II), e naquele que se encontra em vigor (Código de Processo Civil de 2015, artigo 292, inciso VI).

Portanto, em face da regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil em vigor, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deve corresponder à soma de todos os pedidos cumulados. Mas a que espécie de cumulação de pedidos aplica-se tal regra: à cumulação objetiva, à cumulação subjetiva (litisconsórcio), ou a ambas?

A nossa legislação processual, adotando regra que vem da legislação alemã, optou sempre por considerar apenas o fenômeno da cumulação objetiva de pedidos, prescindindo, pois, de considerar se o título em que a cumulação funda-se é o mesmo entre todos os pedidos cumulados. Tal sistema, com afirmou Chiovenda, tem a vantagem de eliminar uma série de controvérsias, que surgem quando se cinde o valor da causa de acordo com o título a que a pretensão se refere, repartindo-se a competência entre juízos diferentes, o que acaba por descaracterizar o instituto do litisconsórcio facultativo.

Pois bem: quando se autoriza a formação do litisconsórcio facultativo, conforme as hipóteses previstas no artigo 113 do Código de Processo Civil de 2015, instala-se a compasso a cumulação objetiva de demandas, de modo que a competência, quando fixada com base no critério do valor da causa, deve necessariamente conduzir à aplicação da regra do artigo 292, inciso VI, do mesmo Código: “O valor da causa constará da peça inicial ou da reconvenção e será: (…). VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia corresponde à soma dos valores de todos eles”.

Importante ressaltar que em nosso sistema processual civil não há qualquer ressalva quanto à natureza do título em face dos pedidos cumulados, de modo que, em existindo o litisconsórcio, e em se formando com ele a cumulação objetiva de demandas ( e se formará sempre, porque em todos os casos de litisconsórcio, mesmo no unitário, há cumulação objetiva de demandas), a competência deverá ser aferida com base na soma de todos os pedidos cumulados na demanda, por força do que estabelece a regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015.

Mas se poderia argumentar que, no caso do litisconsórcio facultativo comum (não unitário), cada autor está a formular um pedido (o seu pedido), e assim, para efeito de fixação da competência, o valor da causa deveria considerar o valor a que corresponde a pretensão de cada um dos autores. Afinal, no litisconsórcio facultativo comum (não unitário), não há uma só relação jurídica substancial, e o provimento jurisdicional a ser emitido, se procedente a pretensão dos litisconsortes ativos, não se constituirá em um único provimento jurisdicional, mas em tantos quantos forem os autores cuja pretensão tiver sido acolhida, pois que no litisconsórcio facultativo comum (não unitário) há, como observa Dinamarco, “uma pluralidade jurídica de demandas, também unidas só formalmente; cada um dos litisconsortes é parte legítima apenas com referência àquela porção do objeto do processo que lhe diz respeito e, consequentemente, entende-se que o seu petitum se reduz a essa parcela”.

Constitui-se esse, sem dúvida, o fundamento daqueles que defendem a posição, hoje prevalecente em nossa jurisprudência, no sentido de que, para efeito de competência do juizado especial da fazenda pública, o valor da causa deve ser considerado individualmente, porque embora as pretensões estejam cumuladas em um só processo, elas devem ser consideradas como individuais e específicas para cada um dos litisconsortes. Essa posição jurisprudencial tornou-se majoritária sobretudo depois que o Fórum Nacional dos Juizados Especiais da Fazenda Pública – FONAJE aprovou, por maioria, o enunciado de número 2, com o seguinte teor:

“É cabível, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o litisconsórcio ativo, ficando definido, para fins de fixação da competência, o valor individualmente considerado de até 60 salários mínimos”.

Essa posição, contudo, não pode prevalecer, porque desconsidera dois importantes aspectos. O primeiro, e mais curial, é o de que existe em nosso ordenamento jurídico em vigor uma regra que deve ser aplicada a todo tipo de cumulação de demandas, objetiva e subjetiva, o que significa deva ser aplicada ao litisconsórcio facultativo comum. Trata-se do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015, regra que por ser geral deve ser aplicada também ao juizado especial da fazenda pública, seja porque a Lei federal 12.153/2009 não tratou dessa matéria, abrindo espaço, pois, à aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil, seja em especial porque a Lei federal 9.099/1995, ao cuidar, em seu artigo 15, da cumulação de pedidos, adotou o mesmo critério do Código de Processo Civil, prevendo que, em havendo pedidos cumulados, deve-se observar a soma dos pedidos.

Diz o artigo 15 da Lei 9.099/1995, Lei que se aplica subsidiariamente ao juizado especial da fazenda pública, conforme prevê o artigo 27 da Lei 12.153/2009:

“Art. 15. Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo”.

A regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil, aplica-se também na cumulação subjetiva de demandas, porque o valor da causa não leva em consideração o número de autores, mas apenas o pedido. Com efeito, é o pedido que constitui o elemento pelo qual se afere o valor da causa, e não o número de autores. É o que, com razão, sustenta GELSON AMARO DE SOUZA:

“Quando se reunirem vários pedidos, temos cumulação objetiva de pedidos, e quando se reunirem vários litigantes no mesmo polo, temos a cumulação subjetiva ou litisconsórcio. Como o pedido é sempre objetivo, errado é falar em cumulação subjetiva de pedidos. Esta não existe.
Todos os pedidos são objetivos e por isso não comporta a equivocada expressão ‘cumulação subjetiva de pedidos’. Quando os condôminos se reúnem para pedirem a anulação da assembleia do condomínio, temos um pedido objetivo (anulação da assembleia) e vários autores, formando um litisconsórcio ativo. Aqui não se pode falar em cumulação de pedidos, pois pedido, realmente, existe apenas um. Se os mesmos litisconsortes se reunirem e propuserem ação pedindo que lhes sejam devolvidas quantias cobradas em excesso, teremos vários pedidos objetivos, pois cada qual pede o que pagou a mais. São vários pedidos objetivos e não subjetivos. A subjetividade está somente na reunião dos autores e não nos pedidos que são objetivos. Temos um processo, uma ação, com vários pedidos (objetivos) e com vários autores em litisconsórcio (cumulação de pessoas). A cumulação de pedidos é sempre objetiva e a cumulação de partes é sempre subjetiva (litisconsórcio)”.

Daí afirmar esse autor, no que é de especial importância para o que estamos a tratar aqui:

“(…) para o valor da causa, somente interessa a cumulação de pedidos e não a cumulação subjetiva (litisconsórcio). Havendo cumulação de pedidos, aplica-se o art. 259, II, do CPC. Não há de se indagar quanto são as pessoas envolvidas no mesmo polo. O que importa é o que se pede e quanto se pede, não o número de pessoas que pedem. Não há que se falar em multiplicar ou dividir o que se pede pelo número de litisconsortes”.

Assim, para efeito de se atribuir valor à causa na hipótese de cumulação de demandas, é indiferente exista o litisconsórcio, porque o valor da causa é de ser aferido sempre com base na soma dos pedidos cumulados, independentemente do número de autores.

Aliás, se devêssemos considerar o valor de cada pedido na cumulação de demandas pelo litisconsórcio, teríamos que, por identidade de razão, proceder da mesma forma com a cumulação objetiva de pedidos, porque se o valor da causa é de ser atribuído com base em cada pedido, havendo cumulação objetiva (sem existir o litisconsórcio), os pedidos formulados por um só autor também deveriam ser considerados de per si, e assim quantificados. Ninguém, ao que se saiba, terá propugnado tal interpretação.

Destarte, o não se poder individualizar o valor do pedido na cumulação objetiva de pedidos demonstra que é a soma dos pedidos cumulados que se leva em consideração quando se trata de fixar a competência, porque assim dispõe a norma do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil.

Além disso, quando o legislador erige o valor da causa como critério de competência, está a considerar obviamente a importância econômica de uma demanda, e esse dado econômico é de ser aferido pelo valor envolvido na tutela jurisdicional, conforme quantificado no valor do pedido, que como enfatiza Liebman, é o elemento que constitui a base para a quantificação de uma demanda. Assim, quando se argumenta que, no caso litisconsórcio facultativo comum, cada autor poderia promover a sua ação, e por isso o valor da causa deve ser considerado com base no valor do pedido de cada autor, está se olvidando que a competência é de ser analisada conforme a realidade que forma aquele específico processo, e não uma realidade hipotética (a dizer: aquela que existiria se o litisconsórcio não existisse).

Se o legislador levou em conta a importância econômica de uma causa, quantificando-a, significa dizer que o montante que será despendido, se a tutela jurisdicional for concedida, é o parâmetro que deve prevalecer. Assim, à força de considerarmos o valor da causa por cada autor, obliteramos a importância do aspecto econômico na qualificação jurídica do que se deve entender como “pequena causa”.

Há ainda por considerar a importância do veto governamental ao parágrafo 3o. do artigo 2o. da Lei federal de número 12.153/2009, cujas razões não poderiam ser mais explícitas:

“Ao estabelecer que o valor da causa será considerado individualmente, por autor, o dispositivo insere nas competências dos Juizados Especiais ações de maior complexidade e, consequentemente, incompatíveis com os princípios da oralidade e da simplicidade, entre outros previstos na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Diante de um veto a texto de lei, nomeadamente quando a razão que o fundamenta é categórica como no caso, não cabe ao Poder Judiciário senão o considerar a sua força obrigatória, aplicando-o como se se tratasse de uma regra legal. Com efeito, o veto a texto de lei é de ser equiparado a uma interpretação autêntica, de modo que na hipótese em que o Legislador, impondo um veto, explicita que conteúdo e alcance se devem extrair do texto de uma determinada norma legal, não cabe ao Poder Judiciário senão que observar tal interpretação autêntica.

Poder-se-ia argumentar que o veto constitui um ato político, e de fato parte da jurisprudência vem argumentando nesse sentido, para defender a tese de que o Poder Judiciário poderia examinar tal ato governamental, para o desconsiderar. Primeiro: todo veto a uma lei é sempre um ato político. Segundo: o tratar-se de um ato político em nada interfere no que cabe de fato ao Poder Judiciário examinar, porque a partir do reconhecimento da aplicação do princípio da proporcionalidade, qualquer ato governamental (assim também um veto a texto de lei) pode ser sindicado pelo Poder Judiciário, mas desde que se revele uma desproporção entre meios, fins e resultados – o que não sucede no caso do veto em questão.

Aplicando-se, pois, o princípio da proporcionalidade na análise do veto governamental ao dispositivo da Lei Federal de número 12.153/2009, há que se reconhecer a validez substancial do veto, pois que ele quadra perfeitamente com os princípios da simplicidade e da celeridade. Basta que consideremos o que se deve extrair desses princípios, no sentido de que as ações de competência do Juizado Especial de Fazenda Pública devem ser processadas com a celeridade que as caracteriza como sendo procedimentos de tutela jurisdicional diferenciada. Daí a necessidade imperiosa de que não exista na ação nenhum aspecto que possa arrostar a celeridade e a simplicidade. De resto, é exatamente para esse fim que o Legislador estabeleceu um limite ao valor da causa, por supor que, dentro desse limite, aqueles princípios possam ser atendidos.

Digno de registro, outrossim, que ao tempo em que se elaborava o anteprojeto que acabaria por resultar na Lei federal de número 10.259/2001 (Lei que que instituiu o juizado especial federal), surgiu discussão quanto ao valor da causa no litisconsórcio comum facultativo. O relator do projeto, diante da controvérsia acerca do tema, optou por não inserir regra a respeito, e o texto acabou aprovado sem qualquer regra acerca de se apurar o valor da causa pela soma dos pedidos ou pelo valor de cada autor. Diversamente, pois, do que sucedeu com a Lei federal de número 12.153/2009, em cujo texto inseriu-se regra expressa tratando da matéria, regra, contudo, que foi objeto de veto governamental. Assim, se podia surgir alguma dúvida quanto à intenção do Legislador na Lei 10.259/2001, essa dúvida restou totalmente eliminada no veto que se impôs ao texto da Lei 12.153/2009.

“Last but not least”: é sempre necessário considerar o bom senso na interpretação que se aplica a qualquer norma legal que integra o nosso Ordenamento Jurídico em vigor, pois que assim o determina o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”). E o bom senso não estará certamente presente quando se considera como pequena causa uma demanda cuja soma dos pedidos alcance um montante superior a um milhão de reais, como poderia ocorrer se reconhecêssemos a competência do juizado especial de fazenda com base no valor do pedido de cada autor, o que autorizaria que, por exemplo, trinta autores, utilizando-se do litisconsórcio facultativo, cumulassem suas pretensões em um só processo, e se cada autor estivesse a formular o pedido correspondente ao máximo permitido (de sessenta salários mínimos), o montante envolvido em uma demanda como essa alcançaria uma cifra considerável, superior a um milhão de reais.

Conclui-se que, para efeito de competência do juizado especial de fazenda pública, o valor da causa, na cumulação de demandas derivada do litisconsórcio facultativo comum (não unitário), deve ser aferido com base na soma dos pedidos cumulados, e não por autor, seja porque há norma legal (CPC, artigo 292, inciso VI) que assim o estabelece, seja por razões que dizem respeito diretamente à finalidade para a qual o sistema do juizado especial de fazenda pública foi ideado e instituído por lei”.

 

 

 

 

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